quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

SP promove o Butantan em campanha para driblar resistência à Coronavac


A médica Stefânia Teixeira recebe a primeira dose como voluntária da Coronavac em São Paulo

O governo de São Paulo, preocupado com a resistência eventual da população no caso da esperada vacinação em massa contra a Covid-19, lança nesta terça (1º) uma campanha de TV para promover o Instituto Butantan.

O órgão, fundado em 1901, fez uma parceria com a chinesa Sinovac para a produção local do imunizante Coronavac, em fase final de testes.

A expectativa no governo paulista é ter o registro da Coronavac, que está sendo testada em 10 mil voluntários no Brasil e 50 mil na China, ainda este mês. Para tanto, os estudos preliminares de eficácia da chamada fase 3 precisam ser divulgados.

A campanha, composta por um filme de 1 minuto em redes sociais que será veiculado, por R$ 15 milhões, em horário nobre na TV aberta, não pode citar a Coronavac diretamente porque ela não está registrada.

Nele, é lembrada a história do órgão, que atuou na pandemia da gripe espanhola de 1918 e 1919, e apresentado o slogan: "Se é do Butantan, eu confio", dito por infectologistas de renome, como David Uip.

O texto da peça fala que 75% das vacinas do Sistema Único de Saúde são do Butantan, mas a Fundação Oswaldo Cruz (RJ) afirma que esse percentual se refere à participação de ambos os institutos.

Dois sinais de alerta preocupam as autoridades paulistas. Conforme mostrou o Datafolha no mês passado, caiu a porcentagem de brasileiros de quatro capitais que querem tomar uma vacina contra o novo coronavírus —em São Paulo, são ainda expressivos 72%, mas uma queda ante levantamentos passados.

O presidente Jair Bolsonaro é visto como um dos responsáveis por isso, dada sua campanha retórica contra a obrigatoriedade de vacinação e as repetidas vezes em que colocou em dúvida a eventual aplicação do imunizante chinês.

Isso tudo decorre de sua disputa política com o governador paulista, João Doria (PSDB). Ambos se enfrentam acerca do manejo da pandemia desde o começo da crise, e como o tucano fez uma aposta alta na vacina própria no estado, Bolsonaro voltou suas baterias contra o tema.

A situação escalou quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária suspendeu brevemente os estudos da Coronavac porque um voluntário havia se suicidado, sem avisar o Butantan. Bolsonaro comemorou em redes sociais o fato como uma vitória pessoal.

O outro sinal de alerta, e essa é também a função da campanha, foi a queda de cobertura em campanhas de multivacinação e imunização contra a poliomielite. Menos da metade das crianças de 0 a 5 anos foram imunizadas contra a pólio, e o estado teve de estender o período de aplicação em novembro.

A questão é séria e assustou mesmo o Ministério da Saúde de Bolsonaro. O órgão afirmou que irá fazer uma campanha neste mês justamente para esclarecer a população acerca da eficácia das vacinas que vierem a ter seu registro aprovado.

O governo federal tem um acordo de produção na Fiocruz, no Rio, da vacina britânica da AstraZeneca/Universidade de Oxford, e faz parte da iniciativa da Organização Mundial de Saúde para distribuição de imunizantes.

Só que dúvidas acerca do grau de eficácia do fármaco de Oxford, decorrentes de um erro nos estudos preliminares divulgados na semana passada, obrigaram o imunizante a passar por mais estudos —o que deve atrasar seu registro.

A Coronavac, por sua vez, parece estar próximo do pedido de registro. O imunizante se mostrou seguro e provocou resposta imune em testes preliminares na China.

No Brasil, onde o Butantan é o patrocinador do estudo com mais de 10 mil voluntários, a expectativa é que dados sobre a eficácia estejam prontos na semana que vem. Na quinta, devem ser desembarcados insumos chineses para a formulação de 1,2 milhão de doses em São Paulo.

Elas fazem parte de um lote que prevê 40 milhões de doses formuladas no Butantan, que está recebendo 6 milhões de doses prontas também. São necessárias duas doses por pessoa. A ideia é, assim, ter vacina para imunizar metade da população paulista a partir de janeiro, e toda sua totalidade no primeiro semestre.

Enquanto isso, o Butantan está construindo uma fábrica para iniciar a produção da vacina em São Paulo, o que deve ocorrer em meados do ano que vem se a Coronavac for mesmo eficaz.

Com os problemas de Oxford e a questão da baixíssima temperatura necessária para conservar o imunizante da Pfizer (70 graus negativos), a Coronavac está mais bem posicionada para eventualmente ser aplicada no país, mas o Ministério da Saúde não a incluiu na sua carta inicial de intenção de compras.

Nesse sentido, a campanha de TV do governo Doria deixa um recado ao final: "É de São Paulo, é do Brasil", acerca de vacinas do Butantan.

Isso, contudo, foi antes das novas realidades serem colocadas. A russa Sputnik V também está no páreo para produção local, num acordo de Moscou com o estado do Paraná, e está com documentação sob análise na Anvisa.


Na Folha

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