quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Rossi é o nome do grupo liderado por Maia; Bolsonaro no jogo do perde-perde


Arthur Lira e Baleia Rossi: o primeiro é o homem de Bolsonaro para tentar submeter a Câmara aos caprichos do Planalto; o segundo é o nome apoiado por uma coalisão de 11 partidos que defendem a independência do Legislativo, apesar das muitas diferenças que... os unem! Imagem: Reprodução/ Ailton de Freitas/Agência O Globo

O grupo de partidos liderado por Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, indicou o deputado Baleia Rossi (MDB-SP) como candidato ao comando da Casa. A definição do nome é prenúncio de severas dificuldades para o presidente Jair Bolsonaro na Casa se ele continuar a fazer a coisa errada. E aí pouco importa que vença a peleja. Já explico. Antes, algumas considerações sobre números.

A votação é secreta — e isso significa, por óbvio, que haverá defecções dos dois lados. Não fosse assim, bastaria a Rossi correr desde já para o abraço. Darão apoio oficial à sua postulação as seguintes legendas, além do próprio MDB: DEM, PSL, PSDB, Cidadania, PT, PV, PSB, PDT, PC do B e Rede. Se todos os integrantes de cada bancada sufragassem o nome escolhido, seriam 280 votos. Bastam 257 para eleger um presidente em votação única, sem precisar proceder a um segundo turno entre os dois mais votados.

Ocorre que a coisa não é bem assim. Estima-se que metade, talvez um pouco menos, da bancada do PSL, por exemplo, ficará com Arthur Lira (PP-AL), o candidato apoiado por Bolsonaro. Parte da bancada do PSB já havia manifestado apoio ao postulante bolsonarista. O Diretório Nacional da legenda — que segue de centro-esquerda, embora o partido tenha, digamos, "endireitado" bastante — barrou o apoio a Lira por 80 votos a zero. A questão é saber quem põe o guizo no pescoço do gato.

Assim, é certo que Rossi não tem, nesse grupo, os 280 votos. É provável que não chegue aos 257 necessários. Precisará, pois, contar com o apoio de legendas que não integram bloco nenhum e, por óbvio, conta com traições também do outro lado. Estão oficialmente com Lira os seguintes partidos: Progressistas, PL, PSD, Avante, Solidariedade, Patriota, Pros. PSC e Republicanos. Ao todo, são 194 parlamentares.

Também nesse caso, a adesão do partido não quer dizer fidelidade total. O escolhido pelo grupo liderado por Maia tem votos, com absoluta certeza, no Progressistas, por exemplo. Aliás, se a escolha ficasse apenas ao gosto do atual presidente da Câmara, o indicado seria alguém desse partido: Aguinaldo Ribeiro (PE). Ele não é o único deputado da legenda que se negará a votar em Lira. Também há defecções, entre outros, no PSD e até no Republicanos, a legenda de Edir Macedo.

Assim, o resultado é incerto, mas é claro que sai como favorito quem tem mais gordura para resistir a traições e dissensões. E é claro que esse nome é Baleia Rossi. Formalmente, seu bloco conta com 86 deputados a mais. Notem ainda que, somando-se todos os parlamentares dos dois grupos, chega-se a 474. Há, portanto, um grupo de 39 que, por enquanto, não apoiam ninguém.

O governo, para usar uma frase que já é um clássico, está "fazendo o diabo" para auxiliar Arthur Lira. De liberação de emendas a promessa de ministérios, só não vale dançar homem com homem nem mulher com mulher — afinal, convenham, esse é um governo que não faz essas coisas. O resto vale.

AS CONSEQUÊNCIAS
A entrada de Jair Bolsonaro na disputa parte de uma premissa falsa, que contaminou também Paulo Guedes, ministro da Economia: a de que Maia criou dificuldades para o governo no comando da Câmara. Isso é tão falso como a solução que Guedes apresentou para enfrentar a crise gerada pela pandemia, lembram-se? Este especialista no próprio pensamento propôs três parcelas de R$ 200 para os informais e que os trabalhadores fossem pra casa com contrato de trabalho suspenso. Depois se disse: "Não era bem aquilo'. Era bem aquilo.

Quem se encarregou de dar viabilidade política ao auxílio emergencial, que salvou a cabeça de Bolsonaro, foi justamente... Maia! Assim com foi o principal responsável pela aprovação da reforma da Previdência. E é quem mais tem buscado criar condições para votar as outras reformas, que não andam em razão da incompetência do governo — e da do ministro da Economia em particular.

Maia pode, sim, ser gloriosamente acusado — e aqui vão meus parabéns — por não ter se engajado na agenda reacionária de Bolsonaro, que, por óbvio, não trazia bem nenhum ao país. Ao contrário: contribuiria para exacerbar ainda mais os ânimos.

Quando buscava o apoio das esquerdas, Arthur Lira tentou se comprometer com a resistência à agenda de costumes do bolsonarismo. E alguns caíram na conversa. Ora, então ele seria o nome de Bolsonaro para quê, com que finalidade? Não seria em razão de sua adesão à agenda liberal e reformista, coisa que o centrão não é. O que conta é mesmo a inflexão reacionária que o presidente gostaria de imprimir na Casa.

Se o grupo de Maia vence a parada, é claro que Bolsonaro sofre uma derrota importante. Não creio que Rossi venha a criar dificuldades para a agenda de reformas, embora as esquerdas não gostem dela. Mas que se dispute no voto. O necessário é que se faça um pacto, como se tenta fazer, pela civilidade política — que represente, para citar um exemplo, um "não" à excludente de ilicitude.

Se Lira vencer, haverá, sim, o esforço em favor de um retrocesso na qualidade da vida democrática — e, ora vejam!, o ambiente pró-reformas se deteriora um pouco. O centrão não é conhecido por seu amor às teses liberalizantes. Juntar-se-ia, entendo, o ruim com o pior: a resistência às reformas com o esforço obscurantista. Não daria certo. Bolsonaro entrou na disputa para perder perdendo e perder ganhando.

O presidente ainda teria tempo de fazer a coisa certa: sair da disputa e deixar que vença quem conseguir mais votos por seu próprio esforço. Definido o vitorioso, o certo é tentar a convivência institucional, respeitando-se a independência entre os Poderes.

Mas isso que acabo de escrever, eu sei, é sabedoria convencional.

Esse governo não é convencional.

Tampouco é sábio.

Por Reinaldo Azevedo

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