sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Vacina é obrigatória, Jair Bolsonaro é opcional



A Covid não é a única patologia que atormenta o Brasil. Além do corona, o país foi infectado pelo vírus do arcaísmo. Judicializaram a vacina! Num julgamento que consumiu duas tardes, o plenário do Supremo teve de proclamar que o óbvio é o óbvio: num cenário de pandemia, com a pilha de mortos por Covid a caminho da horripilante marca de 200 mil, o poder público pode, sim, impor sanções a pessoas que não quiserem se vacinar.

A obrigatoriedade de vacinas essenciais está presente na legislação brasileira desde 1975. Neste ano de 2020, a tradição de 45 anos foi reafirmada numa lei sobre Covid. Leva o número 13.979. Foi sancionada por Bolsonaro em 6 de fevereiro. Prevê no artigo 3º que, para enfrentar emergência internacional de saúde pública, as autoridades podem adotar medidas excepcionais. Entre elas a vacinação "compulsória."

Bolsonaro ignora as leis, inclusive a que ele sancionou. Já não causa espanto. Há presidentes cuja obra só será perfeitamente entendida daqui a um século. Prenhe de originalidade, o capitão comanda uma administração que só será devidamente entendida no século passado. Até ontem, desqualificava a CoronaVac, vacina chinesa. Agora, alardeia hipotéticos efeitos colaterais até da americana Pfizer.

Jogou no ventilador uma preocupação zoológica: "Se você virar um jacaré, é problema de você, pô!" Há mais: "Se nascer barba em alguma mulher aí ou algum homem começar a falar fino, eles não têm nada a ver com isso." Criticou a intromissão do Supremo. Mas considerou-a inócua: "Nem vacina tem, não vai ter pra todo mundo." A frase vale como uma confissão de inépcia.

A polêmica é um atributo congênito de Bolsonaro, uma condição de vida. Algo tão indissociável como as escamas do peixe. O Supremo só foi chamado a intervir porque o presidente da República se autoconverteu em garoto-propaganda da liberdade individual de infectar. Por 10 votos a 1, a Corte lembrou a Bolsonaro que não se pode desconsiderar o direito coletivo de não ser infectado.

Repetindo: ficou entendido que o direito à liberdade de consciência e de crença, assegurado pela Constituição a cada indivíduo, não se sobrepõe ao direito da coletividade à vida e à saúde, também consagrado no texto constitucional. O absurdo vai ganhando uma doce naturalidade. Em tempos de inteligência artificial, é duro ter de aturar a ignorância natural.

Ninguém será arrastado na marra até uma seringa. Mas é lícito ao estado impor sanções aos libertários, impedindo-os de frequentar escolas, de embarcar em transportes públicos, de receber benefícios bancados pelo erário. O Supremo decidiu que, se a União permanecer inerte, estados e prefeituras podem agir.

Costuma-se dizer que Bolsonaro é um presidente conservador. Engano. Conservadores foram Ronald Reagan e Margaret Thatcher. Bolsonaro é arcaico. Tornou-se previsível. Está sempre na contramão do bom senso.

As queimadas ameaçam o acordo Mercosul-União Europeia? Bolsonaro se alia à banda troglodita do agronegócio. Biden venceu Trump? Bolsonaro diz ter provas de que a eleição americana foi fraudada. A pandemia pede proteção? Bolsonaro contesta a serventia das máscaras. A vacina está a caminho? Bolsonaro prega o direito de infectar.

Por sorte, a civilização já chegou ao ordenamento jurídico nacional. A vacina é obrigatória. Bolsonaro prefere ser opcional.

Por Josias de Souza

4 comentários:

AHT disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
AHT disse...

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PÉ COM PANO

Presidentes caricatos, governo vai perdendo referências.
É transformado em ambiente de disputas mambembes.

Circos mambembes antigamente alegravam saudavelmente
O povo nas periferias e rincões. Mambembes, mas levando
Música, palhaçadas e mágicas. Todos mui compenetrados.

Plateias pagavam ingressos, "Grandes Circos" e aplicados
Artistas cumpriam a Missão de não deixar o circo morrer.
Nos Três Poderes, quatro presidentes batendo cabeças.
O que mais bate? O eleito por 57 milhões de pagantes.


AHT
18/12/2020

AHT disse...

“Quartelzinho do pé com pano” foi um programa humorístico de TV que fez sucesso na década de 70. Era uma ousadia 'brincar de quartel' em pleno regime militar. E havia ousados que deram um jeitinho e brincaram de “quartelzinho”. Século XXI, anos 20 nos últimos e inglórios estertores, eis que assistimos novamente “pés com pano” eleitos e indicados desgovernando o Brasil.

Guilherme Borges disse...

Espero que logo todos tenha acesso a vacina. 🙌🙌🙌