quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Faces da homofobia: Karol, lésbica do bolsonarismo, teria tido uma lição?


Karol Eller: ela está nesse estado apenas porque é lésbica. Talvez a
militante bolsonarista descubra que a homofobia existe (Reprodução)

A youtuber e agora funcionária da estatal EBC (Empresa Brasil de Comunicação) Karol Eller foi vítima de um brutal ataque de homofobia. Publicou seu rosto parcialmente desfigurado nas redes sociais. Amiga de Jair Renan, um dos filhos do presidente da República, bolsonarista fanática, foi espancada por um homem que se incomodou ao vê-la em companhia da namorada. Antes de agredi-la, teria dito: "Como você consegue namorar um mulherão desses, hein?" Karol foi atacada a socos e pontapés na praia da Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, no domingo.

Karol se transformou numa peça de propaganda da chamada guerra cultural empreendida pelo bolsonarismo porque nega o caráter obviamente homofóbico desta corrente de mau pensamento. Lésbica, ela se juntou a uma turma que é contra a união civil entre pessoas do mesmo sexo e que se opõe de maneira determinada a uma lei contra a homofobia.

Em junho, por 8 votos a 3, o Supremo enquadrou a homofobia na lei que pune o racismo enquanto o Congresso não se ocupar da questão. Em fevereiro, antes ainda da conclusão do julgamento, mas com alguns votos já proferidos, um grupo de deputados bolsonaristas, liderado por Bia Kicis (PSL-DF), uma das iluministas das trevas, pediu o impeachment de ministros do Supremo favoráveis à tese. Entre os signatários, estavam Marco Feliciano, então no Podemos, e Alexandre Frota, hoje no PSDB.

Aqui e ali leio que Karol recebeu "uma lição" — e, no vale-tudo das redes sociais, há quem diga ter sido uma lição justa. Calma lá! Por mais equivocada que essa moça esteja — e seu equívoco se mostra literalmente brutal —, é evidente que não se trata de "uma lição". A menos que alguém considere ser esse um bom método para se aprender e se ensinar alguma coisa.

Sim, é verdade, Bolsonaro é aquele que recomendou que o pai desse "um couro" no filho, ainda criança, se notasse que este era "meio gayzinho". Karol tomou o "couro" que seu ídolo prescreve para gays. Mas cumpre que não nos esqueçamos: o método preconizado pelo agora presidente não serve a ninguém. Nem àquelas pessoas que o têm como um farol. De resto, o criminoso que atacou Karol não o fez com o intuito de ser didático. Agiu como agiu porque estava com ódio. Inexiste pedagogia da porrada.

Será que lésbicas, gays, bis, trans e outros indivíduos que não integram a maioria heterossexual têm de ser de esquerda? É claro que não! O esquerdismo, diga-se, tem um histórico nada honroso de perseguição a homossexuais. Convenham: eis uma questão que nem deveria ser objeto de especulação. A sexualidade de uma pessoa não determina sua ideologia. Ernst Röhm, o líder da SA, a truculenta tropa de assalto dos primeiros tempos do nazismo, era declarada e publicamente gay. Quando deixou de ser útil, foi assassinado na Noite dos Longos Punhais. O escritor Reinado Arenas evidenciou como Cuba tratava os seus homossexuais.

Karol não está obrigada a carregar a bandeira de esquerda ou do movimento LGBTQ+. É claro que não tem de ser cobrada por isso. Mas sua responsabilidade política deve, sim, ser evocada quando se deixa transformar numa peça de propaganda do bolsonarismo. E ganhou essa condição justamente por ser uma lésbica que se opõe ao suposto "gayzismo". Seus pares de trajetória política fazem dela uma testemunho contra uma população que não está reivindicando privilégios, mas direitos civis.

As manifestações de intolerância cresceram com a chegada de Bolsonaro ao poder — como cresceram o desmatamento e a invasão de terras indígenas. O tolo indagaria: "Bolsonaro mandou bater em gay, desmatar e invadir terra de índio?" Não! Ele e seus seguidores tratam a não-heterossexualidade como uma ameaça à família tradicional de que trata o manifesto do partido que quer fundar. Ele e seus seguidores acusam os defensores do meio ambiente de agentes do comunismo internacional. Ele e seus seguidores tratam os índios como empecilhos ao desenvolvimento. E há aqueles que dão, a seu modo, consequência prática às palavras.

ABJETO 
No dia em que o pesadelo moral passar, com devido inventário das indignidades, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o filho Zero Dois, ocupará um lugar de honra na desonra.

O bruto publicou a seguinte mensagem, com a foto de Karol: "Deixo aqui minha solidariedade a Karol Eller. As fotos são bizarras! Lésbica e apoiadora do Presidente Bolsonaro, ela já superou muitas situações difíceis, oro pra que logo se recupere. Pela direita, o agressor teria pesada prisão. Será que a esquerda apóia tal medida?" 

É nauseante! 

Vê-se que ele não conhece o significado do adjetivo "bizarro".

Ao escrever "lésbica e apoiadora do presidente Jair Bolsonaro", Eduardo admite, de maneira tácita, que são condições contraditórias, não é mesmo? Ou por outra: o bolsonarismo é, por si, hostil à identidade sexual da espancada. 

A conclusão da mensagem é intelectualmente delinquente. O deputado, note-se, não é porta-voz da direita. Pergunta óbvia de resposta simples: quem quer agravar a pena para crimes de homofobia: a extrema-direita bolsonarista ou a esquerda?

Assim que estiver bem de saúde, Karol talvez deva circular com um Bolsonaro estampado na camiseta. Aí saberão tratar-se de uma lésbica de família, que não merece ser espancada…

Por Reinaldo Azevedo

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