Há dois capitães Bolsonaro na praça. O presidente acha que é uma coisa. Mas sua reputação indica que já virou outra coisa. O primeiro Bolsonaro personifica a nova política, combate as notícias falsas e cultua um versículo do Evangelho de João: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará". O outro Bolsonaro, retratado em pesquisa do Datafolha divulgada neste sábado (7/12), é muito parecido com o primeiro, só que mente um pouco.
A grossa maioria do eleitorado (80%) ouve Bolsonaro com a pulga atrás da orelha— 43% nunca confiam naquilo que o presidente da República declara, 37% confiam só de vez em quando. Apenas uma minoria (19%) confia 100% no que escorre dos lábios do inquilino do Planalto.
A pesquisa traz uma péssima notícia: Jair Bolsonaro chega ao final do seu primeiro ano de mandato como um governante inconfiável aos olhos da maioria dos governados. A sondagem traz também uma extraordinária novidade: o brasileiro já não se deixa enganar tão facilmente.
A plateia percebeu que Bolsonaro opera num mundo com duas verdades: a dele e a verdadeira. Ele chama a imprensa de mentirosa e, simultaneamente, acusa Leonardo DiCaprio de financiar incêndios na Amazônia. Autoriza o desmonte do aparato de fiscalização ambiental enquanto se confraterniza com grileiros e desmatadores. Renega dados científicos sobre queimadas e, na sequência, acusa ONGs de riscar o fósforo.
Bolsonaro declara que o envolvimento com candidaturas laranja deixou o dono do PSL, Luciano Bivar, "queimado pra caramba". Mas não se constrange de manter no comando do Ministério do Turismo o deputado licenciado Marcelo Álvaro Antônio, indiciado pela Polícia Federal e denunciado pelo Ministério Público por plantar um laranjal na escrituração eleitoral do PSL de Minas Gerais.
Nesse confronto entre as duas verdades —a de Bolsonaro versus a verdadeira— produziu-se uma distorção insuportável. Todas as manhãs, ao escovar os dentes, Bolsonaro enxerga no reflexo do espelho um político antissistema, avesso à corrupção e adepto da transparência. O desapreço pelos fatos e suas relações com Fabrício Queiroz, o faz-tudo que enfiou dentro da biografia do primogênito Flávio, grudam na face de Bolsonaro a imagem do atraso.
Bolsonaro revelou-se um presidente sui generis. Fala dez vezes antes de pensar. Pronuncia o que imagina ser conveniente, sem esboçar preocupação com o desmentido dos fatos. Em plena era da fake news, o capitão vai se consolidando como uma espécie de fake presidente, eis a verdade que salta dos dados colecionados pelo Datafolha.
Por Josias de Souza
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