sábado, 28 de dezembro de 2019

Bolsonaro prova nas redes sociais do mesmo veneno que serve



Foi demais para o presidente Jair Bolsonaro a reação dos que o seguem nas redes sociais à criação da figura do juiz das garantias que, segundo o ministro Sérgio Moro, tornará mais difícil a punição de acusados por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Desde que passou a aparecer ao vivo no Facebook uma vez por semana, sua fala de ontem foi, de longe, a mais defensiva, queixosa e patética.

– Se entrar em vigor [a lei que ele assinou], eu não sei se vai entrar, se te prejudicar não vota mais em mim. Afinal de contas, se eu fizer 99 coisas a favor de vocês e uma contra, vocês querem mudar. Paciência, é um direito de vocês, eu sempre agi assim. Logo estou preocupado com o voto do eleitor, em fazer bem para o próximo, em agradar, mas eu não posso ser escravo de todo mundo – desculpou-se.

O juiz das garantias ficará responsável por decisões tomadas ao longo do processo, tais como a requisição de documentos, a quebra de sigilos, a autorização de produção de prova, a prorrogação da investigação e a aprovação de delação premiada. Um segundo juiz se encarregará da sentença que poderá condenar ou absolver o réu. A lei entrará em vigor dentro de 30 dias, mas levará bem mais tempo até que comece a ser cumprida.

Bolsonaro gastou boa parte do seu dia em monitorar as redes sociais. Recebeu de assessores números atualizados a cada momento sobre comentários elogiosos e críticos à lei. E surpreendeu-se com o balanço claramente desfavorável ao item mais controverso que não fazia parte do pacote anticrime que Moro propôs ao Congresso. Foi inserido no pacote quando ele ainda tramitava na Câmara dos Deputados.

O Senado o avalizou porque recebera de Bolsonaro a promessa de que vetaria a criação do juiz das garantias. Ali, cerca de 40 senadores, de um total de 81, estava disposto a votar contra, o que faria com que o pacote voltasse para a Câmara. Isso não interessava ao governo. Moro acreditou na palavra de Bolsonaro e orientou seus aliados no Senado a votarem a favor. Bolsonaro preferiu ficar de bem com a Câmara a manter a palavra empenhada.

No Facebook, acusou o golpe. “Eu não quero polemizar mais, eu não tenho que explicar essa situação. O que me surpreende é um batalhão de internautas constitucionalistas, juristas para debater o assunto”, desabafou. “Muitas vezes, é: ‘me traiu, não voto mais’. Falam e ligam a alguma coisa familiar. Me desculpem (sic) aqui: sai fora da minha página. Se não sair, eu vou lá e bloqueio. Eu aceito críticas fundamentadas, mas muita gente fala abobrinha.”

Não ousou criticar Moro, que embora tenha assinado a lei junto com ele, fez questão de manifestar publicamente sua divergência quanto ao juiz das garantias. Mas passou recibo do fato de Moro ser 20 pontos percentuais mais popular do que ele quando afirmou:

– O Moro tem um potencial enorme, é adorado no Brasil. Pessoal fala que ele vai vir candidato a presidente. Se o Moro vier que seja feliz, não tem problema, vai estar em boas mãos o Brasil, e eu não sei se vou vir candidato em 2022. Se estiver bem pode ser que eu venha, se não estiver, estou fora. Já cansei de dizer, tem milhares de pessoas melhores do que eu para disputar uma eleição.

Bolsonaro atravessou a rua e foi pisar na casca de banana jogada pelo Congresso. Não foi a primeira vez que procedeu assim. Depois de cair no banheiro do Palácio da Alvorada, teme despencar no Twitter, Instagram e Facebook. No momento, prova do mesmo veneno corrosivo que sempre serviu aos seus adversários.

Por Ricardo Noblat

Nenhum comentário: