Este par tem como objectivo primeiro deter um poder pessoal absoluto nos seus países. Por isso mesmo, são inimigos, antes de tudo, da democracia, o resto vem por acrescento. As motivações nacionalistas estão estritamente ligadas às suas ambições de poder, mas são, num certo sentido, secundárias e instrumentais e, por isso, não são de imediato antagónicas. Não há, portanto, em ambos uma lógica de confronto nas suas ambições a curto prazo. Os seus inimigos são de dentro, e só os procuram fora quando isso serve para consolidar o seu poder dentro. Putin precisa mais do “fora”, Trump do “dentro”. Trump é isolacionista e Putin quer um espaço vital na Europa, que Trump lhe dará sem problemas. No plano internacional, o isolacionismo dos EUA é o melhor que Trump pode oferecer a Putin. O único elemento perturbador é a China.
Como ameaça à democracia, Trump é mais perigoso, porque actua num país democrático, e num quadro democrático que ele anuncia, sem disfarce, querer subverter. Como afirma, pretende ser “ditador por um dia”, e mesmo que não se tomem à letra as 24 horas, isso basta. Alterará o equilíbrio dos poderes, exercerá o poder presidencial sem qualquer limitação constitucional, e, talvez o mais importante, perseguirá todos os que se lhe opuseram, numa vingança que conduzirá o mais longe que puder. Trump levará, como já de algum modo faz, os EUA a um clima de pré-guerra civil, e só a moleza dos democratas permitirá que ganhe.
Quem está literalmente entalada, entre os dois, é a Europa, e parece que vários dirigentes europeus já perceberam isso. No entanto, não é líquido que os europeus, principalmente os que estão mais longe dos campos de batalha da Ucrânia, o tenham interiorizado. Os países bálticos, a Polónia, a Finlândia percebem-no bem de mais, e basta olhar para o facto de a Suécia, o mais neutral dos países, ter entrado para a OTAN para ver o que é a percepção do risco que nessa parte da Europa existe.
Para os europeus, os termos do dilema são muito simples, tão simples quanto complicados e difíceis de implementar: ou se armam e se preparam para garantir a sua defesa sem terem os EUA de Trump como seu aliado – embora se possa admitir que, mesmo com Trump, possa haver pressões suficientes para actuar contra Putin, só que não é certo – ou ficam sem política externa e de defesa própria, como aconteceu com a Áustria e a Finlândia no pós-guerra. Isto para a Europa ocidental, porque a do centro e leste fica sob a suserania russa.
A Europa tem duas potências nucleares, o que é um relativo poder de persuasão, duas forças armadas capazes, as do Reino Unido e da Polónia, e outras com alguma capacidade bélica, como a França e a Alemanha. Parece bizarro ter de olhar para estes aspectos, mas hoje tem mesmo de ser. O problema para os europeus é tanto maior quanto o quadro da OTAN pode revelar-se muito difícil ou mesmo impossível. A prazo, mesmo no plano convencional, a Europa é capaz de deter a Rússia, e Putin sabe disso, logo investe em líderes como Vitor Orban, da Hungria, e na extrema-direita europeia, e numa contínua perturbação das eleições democráticas e num enorme esforço no campo da cibernética e da espionagem.
Há duas coisas que os candidatos da democracia e liberdade nas eleições portuguesas, que não são todos, deviam estar a dizer de forma clara e não ambígua. Uma é que história com “h” pequeno, a única que existe, é assim mesmo e, por muito que desejemos a paz, convém ter a noção de que a Europa é um continente de guerra. Podemos não gostar, podemos querer parecer o que não somos, mas esta é a Europa de sempre, que só teve paz entre 1945 e o início da guerra da Jugoslávia e que esses anos são Oferecer assinatura recorde de anos da Europa sem guerra. A outra coisa é que a mesma história com “h” pequeno rege-se pela Lei de Murphy: se uma coisa pode correr mal, é muito provável que corra mal. Lá teremos que gastar nos canhões e não no pão.
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