quarta-feira, 19 de junho de 2024

O Plano Real teria sido possível com o BC 'autônomo' como o de Campos Neto?



Com a autonomia do Banco Central, o Plano Real teria sido possível? Antes que volte ao ponto, algumas — muitas —considerações.

Se me pedirem que vá à guerra contra a chamada "autonomia" do Banco Central, bem, vou pedir que arrumem motivo mais forte. Mas também não inicio uma em defesa da dita-cuja porque, se querem saber, considero esse papo uma grande besteira. A Autoridade Monetária é mais olímpica — nunca autônoma — ou menos a depender da conjuntura política, da metafísica influente. Os dias andam rombudos. Não basta ao governo ir bem — e, à diferença dos enfezados por ideologia ou interesse —, acho que se está no caminho certo. É preciso mais do que isso. O jogo político e a percepção da população sobre a realidade, em tempos de redes, contam muito.

Alguém realmente acha que Roberto Campos Neto se comportaria como mandarim se Lula tivesse uma maioria confortável no Congresso, ancorado na popularidade formidável que chegou a ter no segundo mandato? A resposta, meus caros, é "não". Deram ao BC a dita autonomia, entregaram o poder a um sujeito de direita — não chega a ser entusiasmado, mas sabe fazer maldades —, que é visto pelo mercado não como o seu regulador, mas como o seu agente, e ele atua segundo as circunstâncias. Estufa o peito e desfila a sua "independência" entre inimigos do governo. E fala, fala, fala... Como ele fala! É um vexame. Mas o homem o pratica com destemor.

"Ele é independente, sim! Elevou a Selic no governo Bolsonaro no curso já do ano eleitoral..." Essa segunda parte é verdadeira. Sabem como é... Os mesmos que lhe fazem cobranças agora por juros estratosféricos exigiram a elevação no pós-pandemia, depois de ele ter exagerado nos juros reais negativos. E se entendeu o seu lado nobre então: "Afinal, queria evitar o caos..." Mas depois teve de remunerar sem nenhuma moderação os detentores dos títulos. E quebrou muita gente.

Só vou acreditar em alguma coisa parecida com autonomia quando a turma que forma a autoridade monetária for constituída só por profissionais de carreira, pertencentes ao serviço público, de onde sairão e para onde serão obrigados a voltar depois do fim do mandato, formados, pós-graduados e especializados em política monetária. Vai acontecer algum dia? Não. Mas quem disse que a considero desejável? Burocratas podem levar o mundo à extinção por amor a seus manuais. Autonomia, de fato, não existe.

"Então Roberto Campos é só personagem de um enredo que não escreve e pronto? Não. Quem ocupa a sua função, oriundo que é do governo Bolsonaro — cuja gestão era colonizada pelo vaivém dos tais mercados e por seus interesses ora estratégicos, ora conjunturais —, concentra um enorme poder. Aquela camiseta amarela da eleição em 2022 indica que ele não queria a eleição de Lula. O seu desempenho na festa que lhe dedicou Tarcísio de Freitas evidencia que ainda não quer. Você pode até acreditar que ele age com isenção. Mas não passa disto: crença. Ele mesmo não faz nenhuma questão de evidenciá-lo. Está mais para a mulher do padre do que para a mulher de César.

Os adversários do governo na área econômica tendem a sentenciar: "Lula usa Campos Neto como bode expiatório de suas escolhas erradas". Pois é... Noto: 1) nunca dizem quais seriam as certas; 2) quando o fazem, fingem que o Congresso não existe. Não me importam aqui as afinidades de pensamento. A questão: Campos Neto é autônomo em relação a quem? Vamos exemplificar: digamos que as coisas caminhem bem para o governo etc. e tal. O futuro presidente do BC deve participar das articulações do PT para permanecer no poder? Já imaginaram o Sr. X na festança petista a dizer: "Quando o senhor for reeleito, presidente, eu gostaria muito de ser o seu ministro da Fazenda". Haveria editoriais furibundos de página inteira.

Será que exagero? Olhem a pressão indecorosa, injustificável, irracional, policialesca, burra mesmo, para que a decisão de hoje para manter a taxa de juros seja unânime! Campos Neto pode ser flagrado acarinhando Tarcísio e sendo acarinhado por ele. Mas os membros do Copom indicados por Lula são suspeitos desde a origem, acusados de "crime de discordância". Ou é isso ou... Era essa a autonomia que queriam? Ainda não! Campos Neto é um agente político que articula com o Congresso também a independência financeira do BC.

"Mas você é contra a autonomia ou a favor, Reinaldo?" Se não ficou claro: eu não acredito na existência dessa bobagem. Bancos centrais atuam, também eles, de acordo com a conjuntura. Dizer que o FED foi apenas técnico por ocasião da explosão da bolha imobiliária é uma farsa. Atuou em parceria com o governo dos EUA para evitar a hecatombe. E, se querem saber, acho que fez muito bem. Ou alguém acha que o Banco Central Europeu agiu e age com a dureza que os falcões daqui recomendariam contra a inflação na Zona do Euro? Fazem lá o que os valentes daqui não fariam: preferem preservar o nível de atividade. Mesmo assim, a extrema-direita avança. Imaginem com ainda mais desemprego... A decisão lá é política e a favor do governo. A decisão aqui é política e contra o governo.

VOLTO À PRIMEIRA LINHA

"O BC era autônomo quando se implementou o Plano Real?" Não. Imaginem uma autoridade monetária que fosse contrária aos passos da estabilização... Tudo teria ido por água abaixo. Assim, essa tal autonomia não é a pedra filosofal da política monetária. Ou valeria em qualquer circunstância. Fico aqui a especular: o que teria acontecido, por exemplo, com o Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional) com diretores do BC contrários a ele e que não pudessem ser demitidos?

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), participou ontem de um evento e aludiu indiretamente às críticas de Lula a Campos Neto:
"A Câmara dos Deputados tem impelido o país na direção que acreditamos ser correta, apoiando reformas econômicas e resistindo a toda tentativa de retrocesso. A autonomia do Banco Central, às vésperas do Copom, aumentou a credibilidade da nossa política monetária. O nosso arcabouço fiscal e a reforma tributária racionalizam a nossa política fiscal".

É verdade! Nada se se fez de útil e crível no Brasil, na área econômica, antes de 2021, quando se aprovou a autonomia, incluindo o Plano Real...

De resto, ouvir Lira falar em resistência a retrocesso no dia em que se viu obrigado a fazer um pronunciamento sobre a Lei dos Estupradores chega mesmo a ser comovente. Também ontem a PEC da anistia aos partidos entrou na pauta. Tudo contra o retrocesso, não é mesmo?

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