Quem fala pelos cotovelos acaba quase sempre se dando mal. Os políticos bons de gogós, principalmente eles, sabem disso, mas não param de falar. Ou por gostarem de ouvir a própria voz, ou por se sentirem forçados a dizer alguma coisa. Um ditado árabe ensina:
“Palavra é prata, silêncio é ouro”.
Dois faladores eméritos, Lula e Fernando Henrique Cardoso, que compartilham a experiência de ter governado duas vezes o Brasil, reuniram-se ontem em São Paulo – o primeiro, 78 anos de idade, com boa saúde, o segundo, 93 anos, com a memória fraca.
Das besteiras ditas por Lula desde que assumiu a presidência pela terceira vez, o país se recorda por terem sido recentes. No passado, ele também disse besteiras em grande quantidade. Das besteiras ditas por Fernando Henrique, poucos se lembram.
Vivi de perto o episódio em que Fernando Henrique ganhou o apelido de ‘Rei do Tomate”, dado à época pelo então ex-ministro da Justiça do governo José Sarney, o deputado federal Fernando Lyra (MDB-PE). Lira perdia um amigo, mas não uma boa piada.
Por sinal, ele acabara de perder o Ministério da Justiça porque, meses antes, chamou Sarney de “a vanguarda do atraso” na cerimônia em que anunciou o fim da censura no Brasil. Sobre Fernando Henrique, Lyra não resistiu e comentou:
“Eu costumo pisar no tomate, mas desta vez Fernando Henrique pisou no tomateiro”.
Desta vez foi a seguinte: líder do governo Sarney no Congresso, Fernando Henrique (PMDB-SP), senador, disse à repórter Cecília Pires e o Jornal do Brasil publicou com direito a enorme chamada na primeira página em sua edição de 26 de fevereiro de 1986:
“Fernando Henrique prega a volta às ruas”
A entrevista ocupou a página 4 inteira sob o título: “Fernando Henrique: o PMDB deve trocar o governo pela rua”. Entre outras coisas, para assombro do mundo político de então, ele afirmou:
“Não defendo o rompimento, mas acho que ele será irreversível”;
“Se o governo não assumir uma postura condizente com as diretrizes de mudança, a Constituinte vai encurtar o mandato de Sarney”;
“O problema da Nova República é pensar que existe no Brasil. Ela só existe em Brasília”;
“Há nas ruas hoje o começo de um desligamento entre o governo e a sociedade”;
“O presidente Sarney pensa que tem força hoje, e não tem. Ele pensa que é popular, está feliz com os aplausos”;
“A Nova República é a mesma Velha República do passado. A população olha a moldura e diz: ‘É a mesma gente’. Isso é o que está doendo”;
“O PMDB não quer perder a rua, não quer que a rua fique para Brizola ou para o Lula”;
“Quem manda hoje é a ala moderada do Exército […] com a ala liberal do antigo regime, reforçada por um grupo de amigos do presidente”.
Não bastasse, Fernando Henrique recusou-se a acompanhar Sarney no dia seguinte em uma viagem a Ribeirão Preto, interior de São Paulo. O Brasil vivia uma situação delicada: inflação alta, salários defasados e as contas do governo em mau estado.
No dia 28 de fevereiro, Sarney anunciou o Plano Cruzado que congelou preços e salários e que o tornou da noite para o dia o presidente mais popular da história do país. “Os fiscais de Sarney” fecharam supermercados que remarcaram os preços.
A reboque do Cruzado, em novembro daquele ano, o PMDB elegeu 22 governadores dos 23 possíveis, a maioria dos 49 senadores eleitos, 487 deputados federais e 953 estaduais. Foi a última vez que um partido obteve maioria absoluta no parlamento brasileiro.
Com que cara ficou Fernando Henrique? Talvez com a mesma cara que ficaria Lula quando não acreditou em 1994 que o Plano Real poderia ser um sucesso. Foi tanto que Fernando Henrique se elegeu e se reelegeu presidente derrotando Lula.
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