quinta-feira, 27 de junho de 2024

Lula fez vários gols na entrevista dada ao UOL, quase todos contra



Lula fez vários gols na entrevista que concedeu ao UOL, quase todos contra. Por exemplo: elevou o quebra-molas de sua equipe econômica —"O problema é saber se precisa efetivamente cortar ou se precisa aumentar a arrecadação"—, atirou-se de paraquedas no debate sobre maconha —"Suprema Corte não é para se meter em tudo"—, deu sobrevida à suspeição —Juscelino Filho só será afastado "se o indiciamento for aceito pela Procuradoria"— e rebarbou as políticas de gênero e racial —"Fica mais difícil encontrar mulheres e negros para certos cargos".

Duas semanas depois de Fernando Haddad ter prometido expor um cardápio de medidas que resultaria numa "revisão ampla, geral e irrestrita" das despesas do governo, Lula disse coisas definitivas sem definir muito bem as coisas.

Insinuou que prefere cobrar tributos de quem não paga a podar benefícios sociais. Ótimo! Mas deu de ombros para a evidência de que a necessária e difícil eliminação de parte dos R$ 646 bilhões que escorrem pelo ralo da renúncia fiscal e tributária não elimina a necessidade imperiosa de esquadrinhar os gastos do governo.

Sobre a decisão do Supremo de descriminalizar o porte de maconha para uso próprio, Lula limitou-se a dar o que chamou de "palpite". Disse que o Congresso já havia aprovado, em 2006, lei distinguindo usuário de traficante. Por isso, a Suprema Corte "não tem que se meter em tudo".

Esqueceu de lembrar —ou lembrou de esquecer— que deputados e senadores se abstiveram de fixar regras. Decidiram que usuários estão sujeitos a castigos alternativos à prisão sem oferecer os elementos indispensáveis para diferenciar quem negocia de quem consome drogas.

Provocado, não restou ao Supremo senão estabelecer, para o caso da maconha, os parâmetros que impedirão policiais de continuar prendendo como traficantes usuários que, segundo a lei, estão sujeitos a penas sócio-educativas. Os critérios valerão até que o Congresso cumpra o dever de legislar adequadamente. Em vez de palpitar, Lula deveria providenciar uma política pública capaz de prover assistência médica e psicológica aos dependentes de drogas.

Quanto a Juscelino, Lula tem razão ao dizer que o ministro das Comunicações dispõe da presunção de inocência. Entretanto, a história demonstra que alguém acusado pela Polícia Federal de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa deveria exercitar o sacrossanto direto de defesa longe dos cofres públicos.

Por último, a escassez de mulheres e negros em cargos públicos decorre não da falta de mão de obra especializada, mas da má vontade do dono da caneta. Nessa matéria, aliás, alguém que troca no Ministério dos Esportes a qualificação de uma atleta olímpica como Ana Moser pela desqualificação do campeão de fisiologismo André Fufuca não tem muito a ensinar.

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