Tenho certos formalismos. Na floresta como a entendo, jabuti não sabe em árvores, e presidente autônomo de Banco Central não sai por aí a falar mais do que o homem da cobra. Também não é chamado de "meu ET preferido" em evento promovido pelo líder da oposição. E noto que eu acharia impróprio, dada a autonomia, que em evento do governo, fosse chamado de "meu humano predileto". É claro que eu me refiro ao modo como Tarcísio de Freitas, pré-candidato à Presidência em 2026 e também governador de São Paulo, referiu-se a Roberto Campos Neto em evento na Assembleia Legislativa e depois em jantar entre amigos para 7.859 pessoas.
Esse presidente — "autônomo", insisto — também não receberia láurea com selo inquestionavelmente oposicionista. Tampouco, em evento no exterior, anteciparia uma mudança de orientação da autoridade monetária, antecipando diminuição do ritmo de queda da taxa de juros. Ainda mais: não participaria de seminário especulando sobre a "desancoragem das expectativas de inflação". Porque, obviamente, isso leva os tais agentes econômicos a apostar na elevação dos juros futuros, o que concorre para elevar os presentes...
O chefe da autoridade monetária, noto, num regime de metas de inflação, também se manifestaria de forma afirmativa e lembraria ao distinto público que a taxa de 3% é o "centro da meta", não "a meta". Esta comporta uma banda de 1,5 ponto para mais ou para menos. Ou a dita-cuja foi extinta, sem que tenhamos sido para tanto advertidos? Se a taxa fica abaixo do centro, pode ser um sinal de que a política monetária é restritiva demais. Se acima, há que se investigar se há pressões sazonais, como é o caso, ou elementos estruturais forçando os preços, o que não há.
Tudo isso se perdeu. Assim como se ignora a história. Desde a criação do regime de metas de inflação, em 1999, a taxa ficou na casa dos 3%, ou abaixo, apenas em 2006 (3,14%), 2017 (2,9%) e 2018 (3,75%). Três vezes em 25 anos. O desemprego nestes anos, respectivamente, foi de 8,4%, 12,7% e 12,3%. Hoje, é de 7,4%, com a inflação acima do centro da meta, mas dentro da banda. E, dados os sinais do "ET Autônomo", é bem possível que se interrompa o ciclo de queda da Selic. O centro impossível da meta se torna o instrumento para a manutenção dos juros nas alturas. E então se grita: "Cortem gastos!"
"Olhem o Reinaldo contra o corte..." Eu não. Mas entendo que tanto os gastos como as receitas são números que derivam de uma equação política. Tomem-se os casos da desoneração da folha de pagamentos dos tais 17 setores e prefeituras e da MP que disciplinava a compensação dos créditos de PIS/Cofins. O berreiro é técnico? Uma ova!
Como é que se faz um debate decente sobre corte de gastos quando grassa a indecência na elisão de receitas? E, convenham, no mais das vezes, o que se deixa de arrecadar não beneficia os pobrezinhos que dependem de serviços do Estado para ter uma vida menos miserável.
O Bank of America, que entende de economia mais do que eu, minha tia e os editorialistas anônimos do catastrofismo, prevê um crescimento da economia de 2,7% neste ano, na contramão do terrorismo "duzmercáduz". Em entrevista à Folha, o chefe de economia para Brasil e estratégia para América Latina, David Beker, afirma:
"No ano passado, um dos principais erros do mercado foi imaginar que a inflação só desaceleraria na hora que você tivesse deterioração do emprego. Óbvio que a inflação de serviços caiu menos do que o índice cheio, mas você teve uma desaceleração com desemprego extremamente baixo. A conclusão é que a economia pode conviver com esse mercado de trabalho forte."
E ainda:
"A gente precisa de um superávit primário para permitir a estabilização da dívida. A discussão é sempre sobre a velocidade que esse movimento vai acontecer. No ano passado, o mercado estava muito cético com o fiscal, e a gente viu a quantidade de medidas que o ministro da Fazenda conseguiu aprovar no Congresso. A gente está na ponta de que vê o governo se esforçando para conseguir as receitas. A nossa expectativa é de leve déficit, mas eles estão muito próximos do cumprimento da meta."
Vejam vocês! Suponho que Becker atue para que seu banco ganhe dinheiro. Longe da política, não se comporta como "cheerleader" da oposição, mesmo sem ter a obrigação da autonomia. Nestes tempos, dado o perfil "duzmercáduz", é, ele sim, quase um ET.
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