sábado, 29 de junho de 2024

Maus bofes de Lula chegam aos comentaristas 'cretinos' da mídia



Quando assumiu, Lula desativou a usina de crises que operava no Planalto. Mas os vapores da antiga fábrica continuam chegando ao gabinete presidencial, atiçando os maus bofes do novo inquilino.

Já nos primeiros dias, Lula zangou-se com "esse cidadão" que preside o Banco Central. Logo vieram as pauladas nos "dinossauros" do mercado. Nesta semana, a zanga foi estendida aos jornalistas.

Lula chamou de "cretinos" os comentaristas que vincularam a alta do dólar a uma entrevista que deu ao UOL na quarta-feira. Nela, em vez de dar as cartas do ajuste fiscal do governo, embaralhou-as.

O problema do país "é saber se precisa efetivamente cortar ou se precisa aumentar a arrecadação". Incomodado com a má repercussão, ralhou com os "cretinos" comentaristas: "O dólar tinha subido 15 minutos antes da minha entrevista".

Na terça-feira, o dólar fechara o expediente em R$ 5,45. Na manhã de quarta, quando Lula começou a falar ao vivo, roçava os R$ 5,48 —valorização de 0,49% em relação à noite da véspera.

Ao final da entrevista, o dólar estava em R$ 5,52 —alta de 1,20% sobre a cotação do dia anterior. Quer dizer: Lula não acendeu o fogo. Mas borrifou querosene na conjuntura.

É bom, é muito bom, é extraordinário que os monólogos crispados do cercadinho sejam substituídos por entrevistas regulares de um presidente. Mas quem gosta de falar precisa aprender a ouvir.

Lula atribui os sobressaltos do mercado à ação de especuladores. Demora a perceber que a artilharia contra o BC, hoje ornamentado com quatro diretores saídos da sua caneta, e a dubiedade da política econômica financiam ajudam os fogos de quem lucra com a alta do dólar.

Na metade do seu terceiro mandato, Lula conhece esse jogo como poucos. Sabe que chamar de "cretino" quem expõe o efeito bumerangue de suas falas é apenas uma cretinice inútil.

Bolsonaro com medo, maconha no STF, Carlos Lacerda: Reinaldo Azevedo

 

sexta-feira, 28 de junho de 2024

AMERICA DECIDE DEBATE (CNN)

 

BOLSONARO E O GOLPE NA BOLÍVIA (Marco Antonio Villa)

 

Debate expõe dilema dos EUA: o caduco ou o mentiroso golpista?

 


Trump fez o que se esperava dele. Pelas contas do New York Times, pronunciou pelo menos 15 declarações falsas, já descontadas as afirmações enganosas, exageradas ou descontextualizadas.

Biden desperdiçou sua melhor oportunidade para espantar a maledicência da senilidade e reativar a percepção de que o rival é uma ameaça democrática. Revelou-se um favorito não à Casa Branca, mas aos memes das redes sociais.

Enquanto o rival mentia e desconversava com o destemor habitual, Biden abusava da gagueira e dos raciocínios confusos. A certa altura, sofreu um apagão mental que o impediu de concluir um raciocínio sobre sistema de saúde.

A ausência de renovação da política americana é um sintoma desagradável. O eventual retorno de Trump à Casa Branca, hipótese cada vez menos negligenciável, daria contornos de realidade à especulação segundo a qual os Estados Unidos conspiram a favor de sua própria decadência.

Num cenário polarizado, a decisão entre a reeleição de Biden ou a volta de Trump está nas mãos dos americanos indecisos —algo como 20% do eleitorado. Resta torcer para que percebam que a diferença entre a aversão de Trump à democracia e a senilidade de Biden é que o golpismo não pode ser medicado.

Investigação sobre Americanas não chegou ao primeiro escalão


PF faz operação contra ex-diretores das Americanas no Rio de Janeiro

A fraude que transportou o Grupo Americanas das manchetes de economia para o noticiário policial tem todos os ingredientes de um escândalo estatal —da tentativa de empurrar a sujeira para baixo do tapete até o bordão "eu não sabia".

A presença dos rapazes da Polícia Federal nas ruas estimula a perspectiva de que ocorra neste caso algo de diferente da impunidade habitual. Mas ainda não há vestígio da chegada da apuração ao primeiro escalão da encrenca.

Por sorte, o Congresso ainda não conseguiu avacalhar o instituto da delação premiada. Dois ex-diretores forneceram em maio de 2023 os fios que a PF e a Procuradoria puxaram para chegar à meada podre. Os delatores conhecem a rapinagem da Americanas por dentro.



Além de 15 batidas de busca e apreensão, os agentes federais deveriam executar dois mandados de prisão. A ordem foi emitida com atraso. Os futuros detentos -Miguel Gutierrez, ex-CEO da Americanas, e Anna Ramos Saicali, ex-diretora da companhiaestão fora do país.


Até aqui, prevaleceram o cinismo e a inépcia. A Comissão de Valores Mobiliários prometeu investigar o caso. Jamais acedeu a luz sobre os seus achados. Abriu-se uma CPI na Câmara. Os deputados não produziram senão autodesmoralização.

A fraude veio à luz em janeiro do ano passado. A empresa chamou pelo pseudônimo de "inconsistência contável" uma cratera de de mais de R$ 20 bilhões. Com dívida superior a R$ 40 bilhões, o grupo pediu água numa recuperação judicial.

Quando a maquiagem do balanço da Americanas desbotou, os acionistas de referência do grupo, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Sicupira, tidos como magos do capitalismo inzoneiro, fizeram circular uma nota com oito tópicos.

No primeiro tópico, lia-se o seguinte: "Jamais tivemos conhecimento..." Era uma versão pós moderna do velho "eu não sabia". A investigação da PF será incompleta caso não elucide o papel dos três bambambãs que frequentam o escândalo como espécies de sujeitos ocultos.

O prestígio do trio era visto como uma espécie de selo de qualidade para os negócios da Americanas. De repente, Lemann, Telles e Sicupira tomaram distância do empreendimento fazendo pose de navios que abandonam os ratos. É imperioso saber que papel desempenharam os três mosqueteiros do mercado.

quinta-feira, 27 de junho de 2024

Golpe fracassado na Bolívia será debatido no Mercosul

 

Moraes diz que juiz 'desafiou' sua decisão e manda corregedoria investigar o magistrado de Maringá

 

Mudança climática: o apocalipse mais caro da história



Ninguém esperava que o fim do mundo fosse custar tão caro. A Bloomberg publicou que será necessário investir US$ 226 trilhões até 2050 para desaquecer o clima sem esfriar os negócios no novo normal do planeta. Sem esse investimento o prejuízo total dos mercados será de US$2,3 quatrilhões ainda neste século.

Já a revista The Economist prevê que as mudanças climáticas custarão apenas ao setor de habitação cerca de US$25 trilhões até 2050. A grana vai sair do bolso dos proprietários: reformas, seguros mais caros, deflação dos preços em áreas vulneráveis ou mesmo com a destruição do imóvel.

Pelo ângulo social, a mudança climática poderá incluir mais 3 bilhões de pessoas na linha de pobreza, segundo o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Ilan Goldfagn.

O novo apocalipse conta com o auxílio luxuoso da economia global e seus consumidores. Quem não emite diretamente os gases efeito estufa em grande escala acaba consumindo os produtos dos emissores. Esse casamento entre a ânsia de lucrar e a obsessão de consumir tem caráter insaciável e inadiável.

O que dificulta qualquer questionamento das consequências ambientais ou sociais desse modelo são as sacrossantas Leis de Mercado, Liberdades Individuais e Livre Iniciativa (“direitos” tão sagrados que superam até os instintos básicos de sobrevivência e de comunidade).

Todo esse lucro e esse consumo são financiados pela degradação ambiental que não é contabilizada nos custos, nos juros nem nos preços, causando uma ilusão negligente de que a depredação dos recursos naturais e o desequilíbrio dos sistemas climáticos vai sair de graça para a humanidade.

É justamente aqui que está a impossibilidade de se responder a pergunta crucial da história humana: quem vai pagar a conta do estrago climático? Não haverá resposta enquanto a legitimidade intocável daquelas Leis da economia moderna estiver tão naturalizada nas mentes dos indivíduos, empresas e governos que, na falta de culpados, ninguém assuma responsabilidades.

Sem responsáveis, os prejuízos serão de todos. Tampouco se sabe quem pode coordenar esse debate. A ONU já não consegue se afirmar como governança superior capaz de influenciar decisões, mediar interesses e apontar estratégias. Resta ao seu Secretário-Geral António Guterres alertar que “mesmo se o mundo parar hoje totalmente de emitir gases efeito estufa, levaria décadas para dissipar a disrupção climática já produzida”.

Como nada está tão ruim que não possa piorar, a insegurança geopolítica causada pela guerra da Ucrânia e as tensões crescentes na Ásia e Oriente Médio esfriaram o ânimo das nações desenvolvidas para as tratativas sobre a transição energética e descarbonização. Na contramão, os investimentos em energia não renovável e em armamentos voltaram a níveis preocupantes. A renomada Deloitte também faz suas estimativas: “Até 2070 as perdas globais com a mudança climática totalizarão US$178 trilhões”.

Nesse cenário, despencou o valor financeiro destinado à cooperação internacional dos países ricos para os países pobres (pactuado na COP26), destinado à contenção e à adaptação às mudanças climáticas.

Por outro lado, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) chama a atenção para a oportunidade ainda rentável de se investir US$6,3 trilhões por ano até 2030 em infraestruturas adaptadas à mudança climática que podem aumentar a resiliência da economia, especialmente nos países em desenvolvimento.

Seja qual for o cálculo, a mudança climática é o melhor exemplo de um “barato que custou caro”.

Lula fez vários gols na entrevista dada ao UOL, quase todos contra



Lula fez vários gols na entrevista que concedeu ao UOL, quase todos contra. Por exemplo: elevou o quebra-molas de sua equipe econômica —"O problema é saber se precisa efetivamente cortar ou se precisa aumentar a arrecadação"—, atirou-se de paraquedas no debate sobre maconha —"Suprema Corte não é para se meter em tudo"—, deu sobrevida à suspeição —Juscelino Filho só será afastado "se o indiciamento for aceito pela Procuradoria"— e rebarbou as políticas de gênero e racial —"Fica mais difícil encontrar mulheres e negros para certos cargos".

Duas semanas depois de Fernando Haddad ter prometido expor um cardápio de medidas que resultaria numa "revisão ampla, geral e irrestrita" das despesas do governo, Lula disse coisas definitivas sem definir muito bem as coisas.

Insinuou que prefere cobrar tributos de quem não paga a podar benefícios sociais. Ótimo! Mas deu de ombros para a evidência de que a necessária e difícil eliminação de parte dos R$ 646 bilhões que escorrem pelo ralo da renúncia fiscal e tributária não elimina a necessidade imperiosa de esquadrinhar os gastos do governo.

Sobre a decisão do Supremo de descriminalizar o porte de maconha para uso próprio, Lula limitou-se a dar o que chamou de "palpite". Disse que o Congresso já havia aprovado, em 2006, lei distinguindo usuário de traficante. Por isso, a Suprema Corte "não tem que se meter em tudo".

Esqueceu de lembrar —ou lembrou de esquecer— que deputados e senadores se abstiveram de fixar regras. Decidiram que usuários estão sujeitos a castigos alternativos à prisão sem oferecer os elementos indispensáveis para diferenciar quem negocia de quem consome drogas.

Provocado, não restou ao Supremo senão estabelecer, para o caso da maconha, os parâmetros que impedirão policiais de continuar prendendo como traficantes usuários que, segundo a lei, estão sujeitos a penas sócio-educativas. Os critérios valerão até que o Congresso cumpra o dever de legislar adequadamente. Em vez de palpitar, Lula deveria providenciar uma política pública capaz de prover assistência médica e psicológica aos dependentes de drogas.

Quanto a Juscelino, Lula tem razão ao dizer que o ministro das Comunicações dispõe da presunção de inocência. Entretanto, a história demonstra que alguém acusado pela Polícia Federal de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa deveria exercitar o sacrossanto direto de defesa longe dos cofres públicos.

Por último, a escassez de mulheres e negros em cargos públicos decorre não da falta de mão de obra especializada, mas da má vontade do dono da caneta. Nessa matéria, aliás, alguém que troca no Ministério dos Esportes a qualificação de uma atleta olímpica como Ana Moser pela desqualificação do campeão de fisiologismo André Fufuca não tem muito a ensinar.

STF: Uso de maconha é questão de saúde pública, não de cadeia

 

Reinaldo: Dólar já estava nas alturas; exageram o impacto da fala de Lula

 

quarta-feira, 26 de junho de 2024

Maconha: STF definirá limite para consumo à espera de decisão do Congresso



Terminada a sessão do STF, com o placar de 7 a 4 em favor, na prática, da descriminação da maconha para consumo pessoal, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), oficializou a criação da comissão especial que vai debater a PEC já aprovada no Senado, por 52 a 9, que criminaliza o porte de qualquer quantidade de droga. De saída, insisto na questão que já abordei ontem: tão logo o texto seja endossado pela Câmara, e será também por larga maioria, vale a votação do STF ou a decisão do Congresso?

É evidente que o STF será chamado a se manifestar, e não tenho dúvida de que há de prosperar a decisão do Congresso. Sete ministros — Gilmar Mendes, Rosa Weber, Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Dias Toffoli, Edson Fachin e Cármen Lúcia — consideraram que a criminalização da posse para consumo prevista no Artigo 28 da Lei 11.343 é incompatível com a Constituição que temos. Viram compatibilidade os ministros Cristiano Zanin, Nunes Marques, André Mendonça e Luiz Fux. É por isso que se pode falar na descriminação da posse de maconha — e apenas de maconha — para consumo. Vale dizer: ela não pode gerar nenhum procedimento na esfera penal.

Acontece que a Constituição que TEREMOS estará acrescida, no Artigo 5º, de um Inciso LXXX, conforme a PEC 45, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG):
"LXXX - A lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar."

Indague-se: a votação do STF não torna inconstitucional esse inciso? Não. Os ministros avaliaram a constitucionalidade do Artigo 28 da Lei 11.343. Não vejo como o tribunal possa considerar inconstitucional a PEC da criminalização. Ainda que ela venha, sim, como uma resposta à Corte, entendo que está no âmbito das atribuições do Congresso, ainda que se possa não gostar do que foi votado.

Enquanto não se promulga a PEC 45, vale a decisão tomada pelo Supremo — e ainda há mais por decidir.

PODE SAIR COM A BAGANA POR AÍ?

Convenham: não é assim tão raro topar com pessoas fumando maconha sem nenhum receio em praças, imediações de bares, baladas, faculdades e universidades e mesmo nas ruas.

É bom que saibam: a substância segue sendo ilícita, e descriminar não é sinônimo de "legalizar". O ato passa a ser, por ora, um ilícito administrativo, sujeito a medidas socioeducativas, justamente no tal Artigo 28: advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programa ou curso educativo.

O JULGAMENTO AINDA NÃO ACABOU

A pena para tráfico é pesada: rende de 5 a 15 anos de cadeia, conforme o Artigo 33 da mesma Lei 11.343. O problema está no Parágrafo 2º do Artigo 28:
"§ 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente."

Como podem notar, não se fala em quantidade. Ficou fartamente demonstrado no julgamento que, sem a definição de uma quantidade que faça a distinção entre consumo e tráfico, as mazelas histórias e morais que também marcam a nossa formação como sociedade expõem-se de maneira brutal: há documentados, só em São Paulo, pelo menos 31 mil casos de jovens negros enquadrados por tráfico, quando igual quantidade encontrada com pessoas brancas foi considerada "consumo pessoal".

Como afirmei ontem, o Congresso pode reivindicar para si a prerrogativa de decidir a legalidade ou não do porte de maconha para consumo, mas não a licença para promover, ainda que de forma oblíqua, a discriminação e o preconceito punitivistas.

Nesse sentido, o julgamento prossegue nesta quarta com a definição da quantidade que separa o ilícito administrativo do tráfico. O sistema prisional está abarrotado de jovens que lá foram parar em razão de uma pequena quantidade de maconha. Entram amadores e se tornam, por força das circunstâncias, profissionais do crime e mão de obra barata das facções. É uma tragédia.

A quem cabe a definição da quantidade, então, que separe um ilícito administrativo de pouca gravidade de um ato criminoso que a Constituição considera "inafiançável e insuscetível de graça ou anistia" (Inciso LXIII do Artigo 5º)? Penso que a tarefa é do Legislativo. E enquanto ele não o faz?

É certo que o Supremo definirá uma quantidade máxima que não caracteriza tráfico e acho que o tribunal deve deixar claro que assim será até que o próprio Congresso o faça, mesmo com a aprovação da PEC da criminalização. Trata-se de mudar o Artigo 28 da Lei 11.343, o que pode ser feito por maioria simples.

ENTÃO O CONGRESSO FARÁ TUDO VOLTAR PARA TRÁS?

Não. O porte para consumo, quando assim caracterizado, já não leva ninguém para a cadeia, mesmo como ilícito penal. Ainda que a PEC de Pacheco seja aprovada, e vai, o mais importante é fazer a distinção entre "consumo" e "tráfico"; entre uma mera perturbação que pode colher o usuário e o severo comprometimento do seu futuro.

"Mas o Congresso não pode impor uma quantidade tão restritiva que, na prática, nada mude?" Bem, dado o que conhecemos desse Poder, a resposta, infelizmente, é "sim". Mais: havendo a criminalização no próprio texto constitucional, é grande a chance de o punitivismo se exacerbar.

De toda sorte, é fundamental haver a distinção para facilitar a defesa: o enquadramento de alguém por tráfico terá de ir além da impressão e do subjetivismo: quantos gramas, afinal, foram encontrados com o portador? Isso pode fazer uma diferença danada na vida do indivíduo.

Que o Congresso pondere. Cumpre não piorar a vida de brasileiros jovens. O próprio Artigo 28 prevê atendimento de saúde a dependentes. Melhor oferecer a chance de salvação do que a de danação.

terça-feira, 25 de junho de 2024

A lição que os políticos ignoram: “Palavra é prata, silêncio é ouro”





Quem fala pelos cotovelos acaba quase sempre se dando mal. Os políticos bons de gogós, principalmente eles, sabem disso, mas não param de falar. Ou por gostarem de ouvir a própria voz, ou por se sentirem forçados a dizer alguma coisa. Um ditado árabe ensina:

“Palavra é prata, silêncio é ouro”.

Dois faladores eméritos, Lula e Fernando Henrique Cardoso, que compartilham a experiência de ter governado duas vezes o Brasil, reuniram-se ontem em São Paulo – o primeiro, 78 anos de idade, com boa saúde, o segundo, 93 anos, com a memória fraca.

Das besteiras ditas por Lula desde que assumiu a presidência pela terceira vez, o país se recorda por terem sido recentes. No passado, ele também disse besteiras em grande quantidade. Das besteiras ditas por Fernando Henrique, poucos se lembram.

Vivi de perto o episódio em que Fernando Henrique ganhou o apelido de ‘Rei do Tomate”, dado à época pelo então ex-ministro da Justiça do governo José Sarney, o deputado federal Fernando Lyra (MDB-PE). Lira perdia um amigo, mas não uma boa piada.

Por sinal, ele acabara de perder o Ministério da Justiça porque, meses antes, chamou Sarney de “a vanguarda do atraso” na cerimônia em que anunciou o fim da censura no Brasil. Sobre Fernando Henrique, Lyra não resistiu e comentou:

“Eu costumo pisar no tomate, mas desta vez Fernando Henrique pisou no tomateiro”.

Desta vez foi a seguinte: líder do governo Sarney no Congresso, Fernando Henrique (PMDB-SP), senador, disse à repórter Cecília Pires e o Jornal do Brasil publicou com direito a enorme chamada na primeira página em sua edição de 26 de fevereiro de 1986:

“Fernando Henrique prega a volta às ruas”

A entrevista ocupou a página 4 inteira sob o título: “Fernando Henrique: o PMDB deve trocar o governo pela rua”. Entre outras coisas, para assombro do mundo político de então, ele afirmou:

“Não defendo o rompimento, mas acho que ele será irreversível”;

“Se o governo não assumir uma postura condizente com as diretrizes de mudança, a Constituinte vai encurtar o mandato de Sarney”;

“O problema da Nova República é pensar que existe no Brasil. Ela só existe em Brasília”;

“Há nas ruas hoje o começo de um desligamento entre o governo e a sociedade”;

“O presidente Sarney pensa que tem força hoje, e não tem. Ele pensa que é popular, está feliz com os aplausos”;

“A Nova República é a mesma Velha República do passado. A população olha a moldura e diz: ‘É a mesma gente’. Isso é o que está doendo”;

“O PMDB não quer perder a rua, não quer que a rua fique para Brizola ou para o Lula”;

“Quem manda hoje é a ala moderada do Exército […] com a ala liberal do antigo regime, reforçada por um grupo de amigos do presidente”.

Não bastasse, Fernando Henrique recusou-se a acompanhar Sarney no dia seguinte em uma viagem a Ribeirão Preto, interior de São Paulo. O Brasil vivia uma situação delicada: inflação alta, salários defasados e as contas do governo em mau estado.

No dia 28 de fevereiro, Sarney anunciou o Plano Cruzado que congelou preços e salários e que o tornou da noite para o dia o presidente mais popular da história do país. “Os fiscais de Sarney” fecharam supermercados que remarcaram os preços.

A reboque do Cruzado, em novembro daquele ano, o PMDB elegeu 22 governadores dos 23 possíveis, a maioria dos 49 senadores eleitos, 487 deputados federais e 953 estaduais. Foi a última vez que um partido obteve maioria absoluta no parlamento brasileiro.

Com que cara ficou Fernando Henrique? Talvez com a mesma cara que ficaria Lula quando não acreditou em 1994 que o Plano Real poderia ser um sucesso. Foi tanto que Fernando Henrique se elegeu e se reelegeu presidente derrotando Lula.

Jesus alardeava: Amai! Apóstolo Valdemiro roga aos fieis: Pagai!

 

Reinaldo: PMs darem aula é projeto de doutrinação, não de educação

 

Congresso aprovará PEC da droga, mas terá de distinguir consumo de tráfico



O Supremo deve retomar nesta terça o julgamento da constitucionalidade ou não do Artigo 28 da Lei Antidroga (11.343), que considera crime transportar ou trazer consigo, "para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".

Como está o placar? Cinco ministros consideram que a criminalização — que, de qualquer modo, já não rende cadeia se for para consumo (ainda volto ao ponto) — fere a Constituição: Gilmar Mendes, Rosa Weber (que já deixou o tribunal), Edson Fachin, Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. O julgamento se restringe à maconha, não às demais drogas ilícitas.

Entendem que a lei é constitucional Christiano Zanin, Nunes Marques e André Mendonça. Dias Toffoli divergiu dos dois grupos: avalia que o texto é compatível com a Carta, mas entende que já não se trata de criminalização, e sim de sanção da natureza administrativa. Devem se posicionar nesta terça Luiz Fux e Cármen Lúcia. Flávio Dino está fora do embate porque entrou no lugar de Rosa, que já havia votado.

O QUE PREVÊ MESMO A LEI 11,343?

O que prevê a Lei 11.343 para quem transporta ou porta droga para consumo? Lembro:
I- advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

A íntegra da lei ESTÁ AQUI. Ficando caracterizado o consumo, não há hipótese de prisão, nem mesmo na hipótese de não cumprimento de medidas socioeducativas. Cabe no máximo multa. As penas previstas nos Incisos II e III podem ser aplicadas por, no máximo, cinco meses. Havendo "reincidência", seriam 10 meses, mas jurisprudência do STJ já decidiu que porte de droga não gera... reincidência.

Então por que tanto barulho?

A verdade é que esse Artigo 28 da Lei Antidroga é, digamos, uma... droga. Ele é, sim, correto quando não prevê cadeia para o simples consumo. O Parágrafo 7º, também de modo adequado, trata a dependência como uma questão de saúde, não de polícia. Lá se lê: "O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado."

Como vocês sabem, está na disposição legal, mas o Estado brasileiro não dispõe de tais estabelecimentos. Nem existe dinheiro para tanto. 

O mesmo Artigo 28, no entanto, traz a semente do mal:
"§ 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente."

É aí que está o busílis. Como inexiste uma quantidade a distinguir o consumo do tráfico, a diferença entre uma coisa e outra, frequentemente, está na cor da pele do portador — e, pois, na subjetividade dos que decidem. Nada menos de 31 mil pessoas pardas e pretas, por exemplo, foram enquadradas como traficantes em situações similares àquelas em que brancos foram tratados como usuários pela Polícia de São Paulo. As informações estão em um estudo do Núcleo de Estudos Raciais do Insper. Os autores — Daniel Duque, Alisson Santos e Michael França — analisaram 3,5 milhões de boletins de ocorrência feitos de 2010 a 2020 pela polícia de São Paulo. Moraes citou tal estudo em seu voto.

A QUANTIDADE

O julgamento em curso do STF também se debruça sobre a quantidade. Mesmo ministros que entendem que o porte para consumo deve continuar a ser crime votaram pela definição de uma linha de corte que separe consumo de tráfico. Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Rosa Weber falaram em 60 gramas; Zanin e Nunes Marques, em 25g. Fachin e Mendonça acham que a decisão tem de ser do Congresso, mas o segundo, ainda assim, sugere 10g. Dia Toffoli propõe que Executivo e Legislativo cheguem a um entendimento em 18 meses.

Vamos ver como se posicionam hoje Fux e Cármen.

A PEC DE PACHECO

O senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Congresso, assina a PEC 45, já aprovada no Senado e na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, que acrescenta o Inciso LXXX ao Artigo 5º da Constituição, com a seguinte redação:
"LXXX - A lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar."

Então vai acontecer o quê?

Vamos ver. Enquanto não se proclama o resultado, ministros podem mudar de posição. Observem que a Proposta de Emenda à Constituição de Pacheco não altera o conteúdo da Lei 11.343. Assim, o porte para consumo continuará a não levar ninguém para a cadeia. Mas surgem algumas questões.

Caso se forme uma maioria no STF pela descriminação e caso a Câmara aprove a PEC -- E VAI APROVAR --, pergunta-se: vale o julgado do tribunal ou a decisão do Congresso? O andamento em curso tem lá seu exotismo. Se vocês notarem, quem vai acabar aprovando uma espécie de Ação Declaratória de Constitucionalidade, que é uma prerrogativa do STF, é o Parlamento. Noto:
1 - a despeito da estranheza, entendo que vale o que o Congresso aprovar. Ainda que se forme uma maioria no STF pela inconstitucionalidade da criminalização do Artigo 28, ele passa a ser constitucional a partir da aprovação da PEC. E não vejo como a própria emenda possa ter sua constitucionalidade questionada;
2 - por ora, tem-se uma maioria em favor da definição de uma quantidade que faça a diferença entre consumo e tráfico, embora essa distinção não se limite aos gramas de maconha, já que é preciso levar em conta outras circunstâncias. Convenham: tentar entrar com a droga num presídio, por exemplo, é coisa distinta de tê-la no bolso para fazer alguns cigarros;
3 - descriminar ou não o porte é, sem dúvida, tarefa do Congresso. Garantir que a lei seja igualmente aplicada para todos, sem distinção de cor da pele, instrução ou classe, é, sim, uma tarefa indeclinável do Supremo.

QUAL O CAMINHO?
Parece-me que um caminho que harmonize a vontade do Legislativo com o imperativo de aplicar a lei de forma igualitária impõe que o STF chegue a uma decisão modulada. Assim:
1: aprovada a PEC da criminalização, nada há que o STF possa fazer;
2: mesmo o Congresso aprovando tal proposta, está obrigado -- e isto o STF pode lhe impor -- a definir uma quantidade que faça a distinção entre consumo e tráfico;
3: enquanto o Congresso não votar essa distinção, vale para a maconha o que for definido pelo Supremo, porque isso passa a ser um pressuposto da aplicação igualitária da lei.

O Congresso pode, sim, dizer: "Criminalizar ou não o consumo é prerrogativa nossa!" Ok. Mas esse mesmo Congresso NÃO PODE dizer: "Temos o direito de manter uma aplicação da lei que pune pretos e preserva os brancos".

ENCERRO
"Reinaldo, nesse caso da quantidade, o 'não votar' também não é um 'um votar', de modo que o Congresso Brasileiro teria decidido não decidir? Isso também não é uma escolha?"

Acho que o raciocínio está correto para um monte de coisas. Pensem na infinidade de temas que não são objetos de deliberações legais. Quando, no entanto, a omissão resulta em discriminação, ferindo o fundamento da igualdade perante a lei, aí inexiste a escolha de não decidir.

sexta-feira, 21 de junho de 2024

Brasil seria outro se corrupto e viciado negro fossem igualados



No Planalto central, ninguém é preso porque todos se acham inocentes mesmo quando abundam provas em contrário. Nas periferias nacionais, preto pobre vai em cana como traficante mesmo quando a quantidade de droga que carrega prova que é consumidor.

Pesquisa do Insper traduz em números a encrenca escondida atrás da ação judicial que reivindica no Supremo Tribunal Federal a adoção de critérios objetivos para diferenciar usuário de traficante de drogas. O estudo mostra que, em São Paulo, o critério da polícia é cromático.

Pela lei, traficantes e usuários cometem crime. Mas apenas o traficante deveria ser preso. O consumidor sujeita-se a penas alternativas. Na prática, revela o estudo do Insper, a política segue seus próprios critérios impróprios: 31 mil pretos e pardos foram fichados como traficantes em situações similares àquelas em que brancos foram tratados como usuários.

O racismo vigora graças a uma lacuna providencial. A lei diferencia usuário de traficante sem especificar a quantidade de droga que caracteriza o consumo. O Supremo adiou para a semana que vem o seu veredicto. Na Câmara, Arthur Lira é pressionado a pautar uma emenda que piora o soneto, empurrando para dentro da Constituição as mesmas distorções presentes na lei que foi aprovada há 18 anos.

Resta a impressão de que o Brasil seria um país magnificamente diferente se, de repente, por milagre, baixasse na Polícia Federal o mesmo ímpeto que move as polícias civil e militar ao abordar a rapaziada preta nos estados.

Político flagrado plantando bananeira perto de um cofre público seria um culpado presumido. Iria em cana independentemente do tamanho do furto. As instalações carcerárias do país melhoraram muito se a elite política começasse a frequentá-las.

Datafolha mostra aos religiosos antiaborto legal que Deus existe



Os sábios da banda religiosa do Congresso imaginam que falam com Deus. Deveriam trocar a oração pela meditação, para tentar escutar Deus. Pesquisa do Datafolha revela que 66% dos brasileiros são contrários ao projeto de lei que classifica como assassinas as mulheres e crianças estupradas que realizarem após a 22ª semana de gravidez o aborto previsto em lei.

A pesquisa ajuda a explicar por que parte da sociedade fez um risco no asfalto e nas redes sociais. A revolta contra a proposta do deputado-pastor Sóstenes Cavalcanti traçou uma fronteira entre o conservadorismo e o fundamentalismo. Foi como se os brasileiros informassem que, para a Idade Média, não adianta empurrar que o país não vai.

Mesmo entre os evangélicos, a maioria (57%) se opõe ao projeto antiaborto. Imaginando-se porta-voz do seu rebanho, a CNBB apoiou a proposta. Mas quase sete em cada dez católicos (68%) rejeitam a ideia de impor violências adicionais a mulheres e meninas que passaram pelo suplício de um estupro.

O aborto é crime no Brasil, exceto em três circunstâncias: risco de morte da gestante, fetos anencéfalos e estupro. Nessa matéria, quem defende a criminalização do que foi descriminalizado pede a Deus não que seja feita a Sua vontade, mas que aprove a vontade deles. O Datafolha mostra a Arthur Lira e seus apóstolos que Deus existe, mas está em outra trincheira.

Josias: Valadão fez pregação criminosa; MP deveria tomar providências

 

Reinaldo: Sóstenes nos alerta para sabão com crianças e loura do banheiro

 

quinta-feira, 20 de junho de 2024

Embraer estuda venda de jatos regionais E2 para Latam e Gol



A Embraer negocia a venda de jatos regionais E2 para o Grupo Latam Airlines e a Gol Linhas Aéreas Inteligentes em meio à pretensão de quase dobrar a receita anual até 2030, para US$ 10 bilhões, de acordo com o CEO Francisco Gomes Neto.

Os jatos E2 preenchem a lacuna entre aeronaves menores e maiores para transportadoras que desejam aumentar a capacidade em meio a restrições de fornecimento de aviões maiores e de fuselagem estreita, Neto disse em uma entrevista. Os aviões ajudariam a melhorar a conectividade entre as cidades brasileiras, disse ele.

Segundo ele, os concorrentes estão focados nos pedidos de fuselagem estreita, com pedidos até o final da década, o que representaria uma oportunidade para a Embraer crescer.

As ações da empresa subiram mais de 60% neste ano, liderando os ganhos do Ibovespa.

A indústria de fabricação de aviões – há muito dominada por Boeing Co. e Airbus SE – tem lutado com problemas de abastecimento desde a pandemia. Por sua vez, a Embraer continua enfrentando atrasos nas entregas este ano e não espera uma normalização completa da cadeia de abastecimento até 2026, segundo Neto.

O Wall Street Journal divulgou no mês passado que a Embraer estava explorando opções para uma aeronave maior e de fuselagem estreita para competir com os rivais. Neto disse terça-feira que não há planos concretos em vigor.

“Nossas equipes estão sempre estudando alternativas para o futuro”, afirmou. “Nossos planos estratégicos até 2030 foram feitos com base em nossos produtos atuais e neste momento não há nenhum plano concretos para desenvolver nenhuma aeronave neste segmento.”

Por enquanto, a empresa está focada em impulsionar as vendas e ter caixa positivo no próximo ano, disse Neto. “A empresa tem sido muito mais eficiente nos últimos anos, apresentando resultados melhores a cada ano, e acho que o mercado tem reconhecido isso”, disse ele.

Congresso inclui a jogatina no seu cesto de prioridades tortas



Com o patrocínio do Planalto e o apoio do centrão, avançou no Congresso a proposta que legaliza a jogatina no Brasil. A bancada da bíblia, contrária à iniciativa, dormiu no ponto. Desperdiçava suas energias e a paciência alheia com a proposta antiaborto na Câmara enquanto o lobby dos cassinos se articulva no Senado.

Já aprovado na Câmara, o projeto dormitava na Comissão de Justiça do Senado há mais de um ano. Foi penduradio na pauta a num instante em que a tropa evangélica, autoconvertida em estorvo do aborto legal, apanha de meninas e mulheres, por assim dizer, nas ruas e nas redes.

O texto passou raspando: 14 votoa a 12. Está pronto para ser levado ao plenário. Inclui todo tipo de jogo de azar: dos cassinos com suas roletas viciadas ao jogo do bicho, passando pelo bingo. Ninguém ignora que, junto com o jogo, virão o crime organizado, a sonegação e o vício. Mas os partidários da liberação propõem a criação de uma agência reguladora estatal para fiscalizar a atividade.

Alega-se, de resto, que a jogatina, a despeito da perversão e do vício, renderá algo como R$ 40 bilhões em tributos. Com esse tipo de argumento, pode-se defender até a legalização da cocaína. Ou a criação de uma estatal, a Póbras, para disputar mercado com as falanges do PCC.

Lula ajudou a forjar Copom unânime; já ameaçam o país com elevação do juro


Gostem ou não, o presidente Lula é muito mais experiente do que parece. Se não colhe, ou AINDA não colhe, o correspondente em popularidade dos frutos de um governo que eu e outros entendemos como bom, dado o tempo (um ano e meio), isso decorre, parece-me, de alguns fatores:

- virulência das redes e ainda mau desempenho dos progressistas nesse setor -- a resistência ao PL dos Estupradores pode ensinar algumas coisas;
- reorganização do mundo do trabalho, com um deslocamento ideológico à direita de demandas;
- eleição, ainda à esteira do aluvião bolsonarista, do Congresso mais reacionário da história -- o corte aqui é sincrônico: reacionário em relação ao tempo vivido;
- contraste, pois entre esse Parlamento reacionário e um presidente progressista, que obteve uma vitória apertada nas urnas;
- deslocamento à direita, especialmente no debate econômico, da imprensa profissional, que ouve mercadistas demais e mercado de menos;
- insistência de Lula numa agenda voltada para, serei genérico, o "interesse nacional" -- que, curiosamente, pauta os conservadores nos Estados Unidos e na Europa; por aqui, a expressão ainda é anátema.

Cada um desses fatores merece reflexão. E há gente na academia se ocupando disso. Esse tempo será bastante rico em exemplos. A campanha eleitoral de 2026 já começou, o que me parece uma sandice. Mas a realidade é a realidade. Ponto.

LULA, O CÁLCULO E O "PADRÃO MORO NO BC"

Retomo a primeira linha para prosseguir. Quando o presidente, na entrevista à CBN, passou uma merecida carraspana em Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, em razão de suas lambanças políticas, estava operando um jogo com duas funções:
1: disse o que, parece-me, tinha mesmo de ser dito. A complacência da imprensa, com raras exceções, com o banqueiro central "autônomo" -- que aceita prêmio de político que faz discurso golpista e é saudado pelo principal líder elegível da oposição -- é o retrato de um tempo e também um sintoma. A reprovação deveria ter sido muito severa. Não foi. Triunfaram as afinidades eletivas sobre a ética, sobre a moral, sobre a Lei da Autonomia, sobre o Código de Conduta dos Servidores do BC. O substrato é seguinte: "Se ele é nossa voz e nossa garantia de que esse Lula aí não vai enveredar por caminhos que consideramos incorretos, não importa muito que transgrida os limites. Estamos com ele". Que coisa! "Mutatis mutandis", é o tratamento que se dispensou a Sergio Moro quando se achava que ele poderia livrar a República dos corruptos, ainda que mandasse o direito penal e a Constituição às favas. Conheço bem essa questão em particular porque sei bem o que enfrentei.

2: mas há o aspecto que, em outros tempos teria sido percebido de imediato. Escrevi ontem um "PS" a um dos textos em que falava de Campos Neto, o pirilampo do antigorvenismo: "PS: De resto, Lula não é bobo. O pau em Campos Neto ajuda a garantir a manutenção da Selic por unanimidade. Como querem os donos da coleira." É evidente que diretor nenhum do Banco Central combina com o presidente se vai votar assim ou assado. Tendo ficado claro que "uzmercáduz" definiram que ou o voto pela manutenção dos juros era unânime ou a especulação teria continuidade, resta óbvio que o presidente quis eliminar qualquer chance de que esse ou aquele do grupo de nove ousassem discordar de Campos Neto. Com sua crítica dura, o presidente selou a unanimidade contra a pretensão de seu próprio governo. Ou por outra: Lula antecipou a unanimidade do Copom pela manutenção da taxa de juros.

Numa cesta de 23 moedas, o real foi a que mais se desvalorizou entre 29 de dezembro de 2023 e este 19 de junho de 2024. Moedas da Argentina, Turquia, México, Colômbia, Indonésia, Filipinas, Peru, Bulgária, Malásia e muitos etecéteras tiveram um desempenho melhor frente ao dólar. Qualquer tentativa de alegar que os fundamentos dessas economias exigem mais robustez do que os do Brasil não esbarra apenas no erro. Chega a ser matéria de decência. Ou de indecência.

Noto que não considero besteiras a questão dos gastos ou a trajetória da dívida. São dados da economia que precisam ser levados em conta. Mas ao custo que se passou a cobrar por aqui? É patente que se articulou, vamos dizer, um "ataque financeiro" contra o país, como se todos os outros fundamentos e evidências inexistissem. Olhemos para o crescimento, para renda do trabalho, para o mercado de trabalho, para a própria inflação — e o Boletim Focus está longe de acenar para o caos — e nos indaguemos: a especulação contra a moeda faz sentido? À parte ódio e ideologia, a resposta é "não". Entender que já não basta ao Copom fazer "aquilo que queremos", mas fazê-lo por unanimidade é coisa que nunca se viu desde que os votos individualizados passaram a ser conhecidos. E, claro!, há cálculo nessa aberração, que está sendo naturalizada.

ENCABRESTANDO O BC

Observem: é precisamente isso o que me incomoda. Os analistas tenham lá as convicções que quiserem ter. Há gente cuja inteligência e cuja independência respeito que defendiam a suspensão da queda da taxa de juros antes mesmo do mais recente ataque. Não me convenceram. Outros sérios me levaram a defender o contrário. O que me parece inaceitável é essa imposição da unanimidade, como a sentenciar: "Ou o Copom faz o que achamos que tem de ser feito, ou diremos que ele não tem credibilidade porque sob a influência do governo", como se viu na jornada passada. Será que não percebem que isso desmoraliza a própria tese da autonomia? Resposta: percebem. Mas quem disse que se queria dita-cuja? Só foi votada em 2021 porque se acendeu a luz vermelha na política: "Lula poderá vencer a eleição; o nosso maluco pode perder; autonomia já!" Justamente para que autonomia não houvesse.

Lula, ele próprio, reitero, ajudou a forjar a unanimidade. E não havia outro caminho. Se há risco de a boiada sair do cercado e estourar, a prioridade é fechar a porteira. A questão é saber como será daqui para a frente.

A minha racionalidade, pela qual peço algum perdão de mentirinha para quem não merece, me diz que o Banco Central tem de ser uma referência do mercado e servir de eventual barreira para apostas tresloucadas, não o contrário. Ou na metáfora-clichê: o cachorro balança o rabo, mas o rabo não balança o cachorro.

Dado o modo que a autonomia assumiu no Brasil, com o presidente do BC exercendo por aí o seu charme pessimista, enquanto procura emprego, o BC resolveu usar no cão uma coleira de linguiça. O resultado é conhecido. Como é se que se vai fazer para que o BC volte, então, a ser autônomo. Sim, também não haverá queda na roda futura. E cuidado!

AMEAÇA

Do comunicado resumido do Copom, ainda se extrai isto:
"O Comitê se manterá vigilante e relembra, como usual, que eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta."

Alguém me disse: "Sinal de que já anunciam que não haverá queda na próxima jornada". Antes fosse... Trata-se de uma ameaça de elevação da taxa. A meta é de 3%, e a banda de 1,5 ponto passou a ser solenemente ignorada. Inflação de 3%? Em 25 anos de metas, por míseras três vezes a taxa ficou na cada dos 3% ou um pouco menor.

O golpismo ideológico é relativamente fácil de identificar, embora difícil de combater. Este outro é difícil também de perceber porque se vende como racionalidade neutra. E uma nota para encerrar: esses valentes erraram até hoje quase todas as previsões que fizeram. Mas não perdem a compulsão de impor os seus erros aos outros, inclusive e muito especialmente aos pobres.

Reinaldo: Marçal resiste porque atrai os votos reacionários do bolsonarismo

 

quarta-feira, 19 de junho de 2024

Josias de Souza - Avanço do caso Marielle no STF retira o Brasil da rota do vexame

 

Lula escala Tarcísio como seu principal adversário para 2026



"Não é que ele encontrou com o Tarcísio em uma festa. A festa foi para ele, foi uma homenagem que o governo de São Paulo fez para ele, certamente porque o governador de São Paulo está achando maravilhoso a taxa de juros de 10,5%."

Ao revelar sua inconformidade com o jantar de 70 convidados oferecido na semana passada a Campos Neto por Tarcísio, no Palácio dos Bandeirantes, Lula como que escalou o governador paulista, pela primeira vez, como seu principal adversário para 2026.

Lula se valeu da notícia segundo a qual Campos Neto mostrou-se disponível para assumir o ministério da Fazenda de uma hipotética Presidência de Tarcísio.

"Quando ele se autolança para um cargo, eu fico imaginando: A gente vai repetir um Moro? O presidente do Banco Central está disposto a fazer o mesmo papel que o Moro fez?".

Na prática, com essas indagações, Lula insinuou que Campos Neto usa a autonomia do BC como trampolim para acrobacias políticas, mimetizando o comportamento do ex-juiz da Lava Jato, que trocou a 13ª Vara de Curitiba pelo Ministério da Justiça de Bolsonaro.

Lula declarou que, "se for necessário", disputará um quarto mandato "para evitar que os trogloditas que governaram voltem a governar." Bolsonaro, como se sabe, bateu no iceberg das urnas em 2022 e afundou na inelegibilidade da Justiça Eleitoral.

A direita neandertal que o elegera em 2018 foi para a rua no 8 de janeiro. O conservadorismo civilizado trocou o Titanic do capitão pelo arco democrático que devolveu Lula ao Planalto.

Num ambiente ainda polarizado, Lula terá que exibir, além de saliva, resultados efetivos para evitar que a direita não troglodita migre para Tarcísio em 2026. Esse é o seu desafio.

Josias de Souza - Fundamentalismo bolsonarista libera Lula para falar de aborto

 

O Plano Real teria sido possível com o BC 'autônomo' como o de Campos Neto?



Com a autonomia do Banco Central, o Plano Real teria sido possível? Antes que volte ao ponto, algumas — muitas —considerações.

Se me pedirem que vá à guerra contra a chamada "autonomia" do Banco Central, bem, vou pedir que arrumem motivo mais forte. Mas também não inicio uma em defesa da dita-cuja porque, se querem saber, considero esse papo uma grande besteira. A Autoridade Monetária é mais olímpica — nunca autônoma — ou menos a depender da conjuntura política, da metafísica influente. Os dias andam rombudos. Não basta ao governo ir bem — e, à diferença dos enfezados por ideologia ou interesse —, acho que se está no caminho certo. É preciso mais do que isso. O jogo político e a percepção da população sobre a realidade, em tempos de redes, contam muito.

Alguém realmente acha que Roberto Campos Neto se comportaria como mandarim se Lula tivesse uma maioria confortável no Congresso, ancorado na popularidade formidável que chegou a ter no segundo mandato? A resposta, meus caros, é "não". Deram ao BC a dita autonomia, entregaram o poder a um sujeito de direita — não chega a ser entusiasmado, mas sabe fazer maldades —, que é visto pelo mercado não como o seu regulador, mas como o seu agente, e ele atua segundo as circunstâncias. Estufa o peito e desfila a sua "independência" entre inimigos do governo. E fala, fala, fala... Como ele fala! É um vexame. Mas o homem o pratica com destemor.

"Ele é independente, sim! Elevou a Selic no governo Bolsonaro no curso já do ano eleitoral..." Essa segunda parte é verdadeira. Sabem como é... Os mesmos que lhe fazem cobranças agora por juros estratosféricos exigiram a elevação no pós-pandemia, depois de ele ter exagerado nos juros reais negativos. E se entendeu o seu lado nobre então: "Afinal, queria evitar o caos..." Mas depois teve de remunerar sem nenhuma moderação os detentores dos títulos. E quebrou muita gente.

Só vou acreditar em alguma coisa parecida com autonomia quando a turma que forma a autoridade monetária for constituída só por profissionais de carreira, pertencentes ao serviço público, de onde sairão e para onde serão obrigados a voltar depois do fim do mandato, formados, pós-graduados e especializados em política monetária. Vai acontecer algum dia? Não. Mas quem disse que a considero desejável? Burocratas podem levar o mundo à extinção por amor a seus manuais. Autonomia, de fato, não existe.

"Então Roberto Campos é só personagem de um enredo que não escreve e pronto? Não. Quem ocupa a sua função, oriundo que é do governo Bolsonaro — cuja gestão era colonizada pelo vaivém dos tais mercados e por seus interesses ora estratégicos, ora conjunturais —, concentra um enorme poder. Aquela camiseta amarela da eleição em 2022 indica que ele não queria a eleição de Lula. O seu desempenho na festa que lhe dedicou Tarcísio de Freitas evidencia que ainda não quer. Você pode até acreditar que ele age com isenção. Mas não passa disto: crença. Ele mesmo não faz nenhuma questão de evidenciá-lo. Está mais para a mulher do padre do que para a mulher de César.

Os adversários do governo na área econômica tendem a sentenciar: "Lula usa Campos Neto como bode expiatório de suas escolhas erradas". Pois é... Noto: 1) nunca dizem quais seriam as certas; 2) quando o fazem, fingem que o Congresso não existe. Não me importam aqui as afinidades de pensamento. A questão: Campos Neto é autônomo em relação a quem? Vamos exemplificar: digamos que as coisas caminhem bem para o governo etc. e tal. O futuro presidente do BC deve participar das articulações do PT para permanecer no poder? Já imaginaram o Sr. X na festança petista a dizer: "Quando o senhor for reeleito, presidente, eu gostaria muito de ser o seu ministro da Fazenda". Haveria editoriais furibundos de página inteira.

Será que exagero? Olhem a pressão indecorosa, injustificável, irracional, policialesca, burra mesmo, para que a decisão de hoje para manter a taxa de juros seja unânime! Campos Neto pode ser flagrado acarinhando Tarcísio e sendo acarinhado por ele. Mas os membros do Copom indicados por Lula são suspeitos desde a origem, acusados de "crime de discordância". Ou é isso ou... Era essa a autonomia que queriam? Ainda não! Campos Neto é um agente político que articula com o Congresso também a independência financeira do BC.

"Mas você é contra a autonomia ou a favor, Reinaldo?" Se não ficou claro: eu não acredito na existência dessa bobagem. Bancos centrais atuam, também eles, de acordo com a conjuntura. Dizer que o FED foi apenas técnico por ocasião da explosão da bolha imobiliária é uma farsa. Atuou em parceria com o governo dos EUA para evitar a hecatombe. E, se querem saber, acho que fez muito bem. Ou alguém acha que o Banco Central Europeu agiu e age com a dureza que os falcões daqui recomendariam contra a inflação na Zona do Euro? Fazem lá o que os valentes daqui não fariam: preferem preservar o nível de atividade. Mesmo assim, a extrema-direita avança. Imaginem com ainda mais desemprego... A decisão lá é política e a favor do governo. A decisão aqui é política e contra o governo.

VOLTO À PRIMEIRA LINHA

"O BC era autônomo quando se implementou o Plano Real?" Não. Imaginem uma autoridade monetária que fosse contrária aos passos da estabilização... Tudo teria ido por água abaixo. Assim, essa tal autonomia não é a pedra filosofal da política monetária. Ou valeria em qualquer circunstância. Fico aqui a especular: o que teria acontecido, por exemplo, com o Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional) com diretores do BC contrários a ele e que não pudessem ser demitidos?

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), participou ontem de um evento e aludiu indiretamente às críticas de Lula a Campos Neto:
"A Câmara dos Deputados tem impelido o país na direção que acreditamos ser correta, apoiando reformas econômicas e resistindo a toda tentativa de retrocesso. A autonomia do Banco Central, às vésperas do Copom, aumentou a credibilidade da nossa política monetária. O nosso arcabouço fiscal e a reforma tributária racionalizam a nossa política fiscal".

É verdade! Nada se se fez de útil e crível no Brasil, na área econômica, antes de 2021, quando se aprovou a autonomia, incluindo o Plano Real...

De resto, ouvir Lira falar em resistência a retrocesso no dia em que se viu obrigado a fazer um pronunciamento sobre a Lei dos Estupradores chega mesmo a ser comovente. Também ontem a PEC da anistia aos partidos entrou na pauta. Tudo contra o retrocesso, não é mesmo?