Quando assumiu, Lula desativou a usina de crises que operava no Planalto. Mas os vapores da antiga fábrica continuam chegando ao gabinete presidencial, atiçando os maus bofes do novo inquilino.
Já nos primeiros dias, Lula zangou-se com "esse cidadão" que preside o Banco Central. Logo vieram as pauladas nos "dinossauros" do mercado. Nesta semana, a zanga foi estendida aos jornalistas.
Lula chamou de "cretinos" os comentaristas que vincularam a alta do dólar a uma entrevista que deu ao UOL na quarta-feira. Nela, em vez de dar as cartas do ajuste fiscal do governo, embaralhou-as.
O problema do país "é saber se precisa efetivamente cortar ou se precisa aumentar a arrecadação". Incomodado com a má repercussão, ralhou com os "cretinos" comentaristas: "O dólar tinha subido 15 minutos antes da minha entrevista".
Na terça-feira, o dólar fechara o expediente em R$ 5,45. Na manhã de quarta, quando Lula começou a falar ao vivo, roçava os R$ 5,48 —valorização de 0,49% em relação à noite da véspera.
Ao final da entrevista, o dólar estava em R$ 5,52 —alta de 1,20% sobre a cotação do dia anterior. Quer dizer: Lula não acendeu o fogo. Mas borrifou querosene na conjuntura.
É bom, é muito bom, é extraordinário que os monólogos crispados do cercadinho sejam substituídos por entrevistas regulares de um presidente. Mas quem gosta de falar precisa aprender a ouvir.
Lula atribui os sobressaltos do mercado à ação de especuladores. Demora a perceber que a artilharia contra o BC, hoje ornamentado com quatro diretores saídos da sua caneta, e a dubiedade da política econômica financiam ajudam os fogos de quem lucra com a alta do dólar.
Na metade do seu terceiro mandato, Lula conhece esse jogo como poucos. Sabe que chamar de "cretino" quem expõe o efeito bumerangue de suas falas é apenas uma cretinice inútil.