quinta-feira, 6 de julho de 2023

Lula surpreende ao afirmar que democracia é relativa



Referindo-se ao regime venezuelano , Lula surpreendeu com sua declaração em entrevista: “O conceito de democracia é relativo”. Questionado se acredita que o governo de Nicolás Maduro é democrático, ele respondeu que “na Venezuela há mais eleições do que no Brasil”.

Lula insistiu que Maduro só pode deixar o poder “se for derrotado nas urnas “, dando a entender que as eleições na Venezuela, em um regime autoritário que criou miséria em um país um dos mais ricos em petróleo do mundo, foram democráticas.

A declaração do presidente brasileiro gerou ainda mais surpresa e preocupação, já que sua própria eleição ocorreu diante da desastrosa presidência do extremista de direita Jair Bolsonaro, inimigo dos valores democráticos e nostálgico das ditaduras.

Lula já havia surpreendido negativamente quando, em maio passado, recebeu oficialmente Nicolás Maduro na sede do governo e qualificou a visita como “histórica” ao mesmo tempo em que acusou de “retórica” a acusação de que a Venezuela é uma ditadura.

A nova afirmação de Lula parece mais grave face à tentação em várias partes do mundo, a começar pela Europa, de aumentar a nostalgia dos antigos regimes autoritários, de extrema-direita, que põem em causa os valores da democracia considerada como uma das maiores conquistas da civilização.

A afirmação de Lula sobre a presumível relatividade do conceito de democracia no mundo atual tem sido mais surpreendente pelo fato de não ter tentado criticar a possível deterioração das democracias, mas sim questionar o conceito de democracia por meio da defesa de políticas, ao menos autoritárias e que produzem miséria e medo.

Talvez como consequência do meu trabalho anos atrás neste jornal como advogado do leitor, sempre me mantive muito atento às cartas de leitores de jornais sérios de todo o mundo que tendem a nos ajudar a ouvir a voz da rua que costuma conter sabedoria natural.

Tanto que hoje li com atenção as três cartas que o jornal O Globo , o de maior circulação do país, publica sobre a surpreendente declaração de Lula em defesa de ditaduras como a da Venezuela e da Nicarágua.

Sob o título Democracia e Época , Márcio dos Santos Barbosa escreve: “Dizer que o conceito de democracia é relativo é um prato cheio para a extrema direita”. E acrescenta que Lula deveria se desculpar “por sua declaração que só inspira nostalgia nos tempos de ditadura militar no Brasil “.

Por sua vez, Carlos Eduardo Berendonk insiste que Lula “deve se desculpar com os brasileiros”. Na terceira carta sobre o assunto, Luciano de Oliveira e Silva rechaça a afirmação: “Embora as práticas democráticas possam variar de país para país, os fundamentos democráticos são essenciais e não podem ser relativizados”.

A trajetória de Lula desde sua atuação sindical inicial até hoje, à frente do país, sempre foi alvo da extrema direita e de flertes autoritários.

Sem dúvida, a situação atual do Brasil é um paradoxo, pois superou um regime extremista que despertou no país uma perigosa nostalgia de um direito que tocou em elementos fascistas e até nazistas.

Lula, para poder governar desta vez, está tendo que fazer concessões perigosas a um Parlamento de fortes conotações e maiorias de direita que vê no velho sindicalista o retorno de um comunismo que nunca existiu neste país.

Por tudo isso, Lula deveria esclarecer, sem dúvida, sua afirmação ambígua de que a democracia, hoje cada vez mais demonizada, é antes um conceito relativo.

Não é. A democracia, justamente por estar em perigo, precisa ser reivindicada e defendida como o bem maior da civilização, num momento histórico em que lutam para ressuscitar os fantasmas da antiga nostalgia do canibalismo político.

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