O general Eduardo Pazuello, cujo depoimento à CPI está marcado para quarta, é desde já o maior semeador de casos a serem investigados na República. A Advocacia Geral da União recorreu ao Supremo com um pedido de habeas corpus para que o ex-ministro pudesse permanecer em silêncio e tivesse a garantia de que não seria preso. O relator do caso, ministro Ricardo Lewandowski, atendeu aos pedidos com uma ressalva — que é justamente aquela que abre a trilha das investigações em penca. Já chego ao ponto. Antes, vamos lembrar o que Lewandowski assegurou a Pazuello:
"(I) o direito ao silêncio, isto é, de não responder a perguntas que possam, por qualquer forma, incriminá-lo, sendo-lhe, contudo, vedado faltar com a verdade relativamente a todos os demais questionamentos não abrigados nesta cláusula;
(II) o direito a ser assistido por advogado durante todo o depoimento; e
(III) o direito a ser inquirido com dignidade, urbanidade e respeito, ao qual, de resto, fazem jus todos depoentes, não podendo sofrer quaisquer constrangimentos físicos ou morais, em especial ameaças de prisão ou de processo, caso esteja atuando no exercício regular dos direitos acima explicitados, servindo esta decisão como salvo-conduto."
Em sua decisão, o ministro reconheceu o óbvio: embora Pazuello fale como testemunha, ele já é investigado em processo que corre na Justiça Federal. Escreve:
"muito embora o paciente tenha o dever de pronunciar-se sobre os fatos e acontecimentos relativos à sua gestão, enquanto Ministro da Saúde, poderá valer-se do legítimo exercício do direito de manter-se silente, porquanto já responde a uma investigação, no âmbito criminal, quanto aos fatos que, agora, também integram o objeto da CPI."
Sim, a decisão é correta.
O trecho que tem gerado debate na decisão de Lewandowski é este:
"(...) sendo-lhe, contudo, vedado faltar com a verdade relativamente a todos os demais questionamentos não abrigados nesta cláusula"
Entende-se, assim, que o ex-ministro estaria obrigado a responder a todas as questões que não lhe digam respeito. Pois é... Mas quem decide se diz ou não diz? Resposta: o próprio Pazuello, que estará assistido por um advogado.
É bem provável que os senadores da CPI façam indagações relativas a decisões e ao desempenho de Jair Bolsonaro. Digamos que disponham de evidências de que Pazuello, no comando da Saúde, soubesse de ações impróprias do presidente. Convenham: o ex-ministro não estará obrigado a responder a uma questão dessa natureza. Bastará apelar a seu direito ao silêncio, não havendo quem possa contestá-lo. Se recorrer à garantia, estará a dizer que poderia estar a produzir provas contra si mesmo.
Entenderam o caso?
Cada ponto sobre o qual Pazuello silenciar, esteja ele diretamente envolvido com a questão ou não, constituirá algo a ser investigado. Quanto a não ser preso, convém destacar que a garantia dada por Lewandowski tem uma condicionante: o ministro tem salvo-conduto "caso esteja atuando no exercício regular dos direitos acima explicitados". Vale dizer: ele pode silenciar, mas não pode, sei lá, adotar algum comportamento exótico que denote desrespeito à CPI e às suas prerrogativas.
Zozer Hardman, advogado de Pazuello, afirmou que ele pretende responder a todas as perguntas. Faz o seu papel para evidenciar que seu cliente nada tem a esconder. Mas é evidente que não se deve levar isso muito a sério. Ou a Advocacia Geral da União não teria entrado com o pedido de habeas corpus, certo?
A VERDADE
Convém contextualizar o significado de "sendo-lhe vedado faltar com a verdade". Ora, mentir não é um direito nem de investigados, o que sempre traz consequências em uma eventual condenação. Quando se diz que uma testemunha não pode mentir, o que se está a afirmar é que, não sendo, em princípio investigada, pode incorrer no crime previsto no Artigo 342 do Código Penal:
"Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa."
O "é vedado faltar com a verdade" implica que a mentira terá consequências penais, não que ele possa ser preso em flagrante se mentir.
ERNESTO ARAÚJO
Amanhã, depõe Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores. Era um linha-dura da extrema direita no governo. É o homem que chamou o coranavírus de "comunavírus" -- que seria, segundo esse gênio incompreendido, mais perigoso do que a própria doença.
Para Araújo, as preocupações com a pandemia seriam parte de um grande complô comunista-globalista. Escreveu:
"O vírus aparece, de fato, como imensa oportunidade para acelerar o projeto globalista. Este já se vinha executando por meio do climatismo ou alarmismo climático, da ideologia de gênero, do dogmatismo politicamente correto, do imigracionismo, do racialismo ou reorganização da sociedade pelo princípio da raça, do antinacionalismo, do cientificismo".
Será interessante saber o que fez em sua área para que o Brasil enfrentasse a pandemia e como suas ideias influenciaram e influenciam ainda Jair Bolsonaro rumo aos 500 mil mortos.
Por Reinaldo Azevedo
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