Numa CPI, mais maleável do que um inquérito convencional, quase tudo é permitido aos investigadores, exceto deixar-se surpreender. Na Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid, os depoentes que se dispõem a blindar Bolsonaro operam num mundo com duas verdades: a que convém ao governo e a verdadeira. Foi assim com o ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten, com o ex-chanceler Ernesto Araújo e também com o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Não é concebível que os integrantes da CPI, sobretudo os da cúpula da comissão, não consigam se equipar para desmontar as lorotas.
É preciso desmascarar os mentirosos instantaneamente. Por razões óbvias. Quando a inverdade é apanhada na hora, vira uma mentira deslavada. Um dia depois, submetida à fricção das redes sociais, talvez seja considerada apenas uma outra faceta da verdade. Uma semana mais tarde, já ninguém mais distinguirá a olho nu a falsidade da realidade.
O presidente da CPI pode dar voz de prisão a um mentiroso. Mas esse tipo de arroubo costuma piorar o espetáculo sem produzir nada de útil para o relatório final da comissão. O relator Renan Calheiros quis prender Fábio Wajngarten. Em boa hora, o presidente da comissão, Omar Aziz, disse que não cogita fazer o papel de "carcereiro".
Optou-se por enviar uma representação ao Ministério Público. Pode-se fazer o mesmo com Pazuello. Sob o procurador-geral Augusto Aras, tende a dar em nada. Porém, serve para informar aos depoentes que a CPI não se dispõe a engolir insultos à inteligência alheia.
Irritado com a fabulação de Pazuello, Renan agora fala em contratar uma agência de checagem de fatos para assessorar a CPI. Pode ser útil. Mas o Senado economizaria o dinheiro do contribuinte se recorresse ao seu próprio quadro funcional, sortido e qualificado. De resto, a comissão pode requisitar mão de obra de órgãos como o Tribunal de Contas da União e a Polícia Federal.
Esta CPI é marcada por uma peculiaridade. Os senadores seguem um rastro de provas que Bolsonaro produziu contra si mesmo durante a crise sanitária. O capitão cometeu erros em série. Agiu como se cultivasse o desejo secreto de ser apanhado. Contra esse pano de fundo, permitir que os mentirosos prevaleçam num depoimento é um flerte com a desmoralização.
Por Josias de Souza
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