Bolsonaro construiu um sistema de blindagem em três camadas. Para anestesiar investigações, colocou Anderson Torres, um amigo da família, no Ministério da Justiça, de cujo organograma pende a Polícia Federal. Para inibir a procura, entregou a poltrona de procurador-geral a Augusto Aras. Para manter uma centena de pedidos de impeachment na gaveta, apostou cargos e verbas na eleição do réu Arthur Lira à presidência da Câmara. De repente, o enrosco criminal que enreda o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) num caso de corrupção e lavagem de dinheiro transformou uma suposta blindagem invulnerável numa casamata de vidro.
Alheio aos acertos de Bolsonaro com o seu ministro da Justiça, o delegado federal Franco Perazzoni dirigiu-se diretamente ao Supremo para informar sobre os malfeitos na pasta do Meio Ambiente. Ignorando Aras, que mandara arquivar investigação contra Salles, o ministro Alexandre de Moraes concedeu ao delegado o aval para realizar batidas de busca e apreensão em endereços do investigado e seu grupo. O magistrado ordenou ao delegado que mantivesse o procurador-geral de estimação de Bolsonaro no escuro até a conclusão das buscas. Temia o vazamento de informações.
Podendo afastar o ministro sob suspeição, mesmo que temporariamente, Bolsonaro preferiu transformar o derretimento de Salles num processo de corrosão da sua Presidência. No momento, o melhor ponto de observação para acompanhar os movimentos do presidente é o telhado de vidro. É dali que o brasileiro tem uma visão panorâmica de um fenômeno curioso: o descaso ético do presidente vai criando no governo um drama estético.
Antes mesmo da conversão de Salles em bomba radioativa, já estava entendido que o compromisso de restauração da moralidade assumido por Bolsonaro com seus eleitores em 2018 não passava de estelionato eleitoral. O problema é que o drama do governo migrou da área ética para o campo da estética. Afora o ministro o ministro Salles e sua turma, há um ministro palaciano, Onyx Lorenzoni, que teve de fazer acordo com o Ministério Público para administrar uma confissão de caixa dois; há os líderes do governo na Câmara e no Senado, senador Fernando Bezerra e deputado Ricardo Barros, às voltas com inquéritos por corrupção; há o réu Arthur Lira, convertido em zagueiro da grande área da Câmara.
Tudo isso e mais uma organização familiar com fins lucrativos. Bolsonaro perde o nexo quando chama adversários de ladrões e vagabundos sem levantar o tapete que esconde coisas assim: as debilidades do zero à esquerda número um, Flávio Bolsonaro, os depósitos mal explicados do operador de rachadinhas Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro e, agora, a contemporização com as suspeitas de crime atribuídas a Ricardo Salles. Além de antiético, o governo vai se tornando esteticamente horroroso.
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