O pior cego é o procurador-geral da República que não quer ver. Instado a se manifestar sobre pedido de abertura de inquérito contra Bolsonaro por causa dos cheques depositados pelo operador de rachadinhas Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama Michelle, Augusto Aras optou por fechar os olhos.
Para Aras, os fatos noticiados, "isoladamente considerados, são inidôneos, por ora, para ensejar a deflagração de investigação criminal, face à ausência de lastro probatório mínimo". A manifestação foi enviada ao ministro Marco Aurélio Mello, relator no Supremo Tribunal Federal do pedido formulado por um advogado para que Bolsonaro fosse processado por peculato, que é desvio de verbas públicas.
O procurador-geral sabe que sua manifestação é uma piada, pois nem Bolsonaro negou que Queiroz e a mulher dele depositaram pelo menos R$ 89 mil na conta bancária de Michelle. Mas Aras, já sem a perspectiva de ser indicado para uma cadeira no Supremo, parece avaliar que não vale a pena arriscar a perspectiva de sua recondução ao cargo de chefe do Ministério Público por algo tão relativo e politicamente supérfluo como a verdade. Fica combinado que nada aconteceu.
Aras anotou: "É notório que as supostas relações espúrias entre o senador Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz, seu ex-assessor na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, foram objeto de oferecimento de denúncia, na primeira instância, em desfavor de ambos e de outras pessoas supostamente envolvidas nos crimes correlatos. Inexiste notícia, porém, de que tenham surgido, durante a investigação que precedeu a ação penal em curso, indícios do cometimento de infrações penais pelo presidente da República."
A ausência de curiosidade do procurador-geral submete o país a uma situação surreal: há os cheques na conta de madame. Mas ninguém deve comentar. De raro em raro, algum repórter distraído ousa perguntar ao capitão de onde veio o dinheiro. Mas Bolsonaro logo responde à sua maneira —"A vontade é encher a tua boca de porrada"— e não se fala mais nisso.
O presidente e seus aliados nos tribunais superiores de Brasília se mobilizam para levar a investigação da rachadinha do primogênito Flávio Bolsonaro apenas até o limite do conveniente. E contam agora com a boa vontade de Aras para abafar os repasses que levam o caso para dentro do Palácio da Alvorada.
No fundo, a aversão do procurador-geral ao hábito de procurar envolve uma conclamação geral ao sacrifício patriótico da inteligência. Aras parece dar de barato que o brasileiro, já tão acostumado a fazer o papel de bobo, não se importará com mais uma pantomima. Convém não exagerar.
Por Josias de Souza
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