Chega-se a um ponto na vida em que determinada coisa se transforma no seu excesso. Ou no seu oposto. É o exato momento em que termina a ascensão e começa a queda. Faltou a Eduardo Pazuello, alçado ao posto de ministro em 16 de maio de 2020, uma criança de cinco anos para alertar que ele perdeu várias oportunidades de largar tudo e se retirar com a reputação intacta. Quando Bolsonaro o ejetou da poltrona, em 23 de março de 2021, o general já havia deixado de ser ministro da Saúde. Tornara-se cúmplice de um presidente infeccioso.
Uma criança teria ensinado a Pazuello noções básicas da arte do balão de festa infantil. Consiste em saber identificar o ponto exato que antecede o momento da ruptura dos balões, o instante em que um sopro a mais faz o balão explodir. Como chefe da Saúde, Pazuello revelou-se um péssimo soprador. Com a cara inchada, pediu socorro ao Supremo Tribunal Federal. E o ministro Ricardo Lewandowski decidiu fazer as vezes da criança, oferecendo a Pazuello mais uma oportunidade para exclamar: "Já chega!"
Servindo-se dos bons préstimos da Advocacia-Geral da União, Pazuello obteve de Lewandowski autorização para exercitar na CPI da Covid, na próxima quarta-feira, "o direito ao silêncio, isto é, de não responder a perguntas que possam, por qualquer forma, incriminá-lo." Entretanto, Lewandowski impôs à língua do general a obrigação de dizer a verdade sobre todo o resto.
Lewandowski foi ao ponto: "No que concerne a indagações que não estejam diretamente relacionadas à sua pessoa, mas que envolvam fatos e condutas relativas a terceiros, não abrangidos pela proteção ora assentada, permanece a sua obrigação revelar, quanto a eles, tudo o que souber ou tiver ciência, podendo, no concernente a estes, ser instado a assumir o compromisso de dizer a verdade."
O que o magistrado declarou, com outras palavras, foi mais ou menos o seguinte: "A CPI pode ser a última oportunidade para se dissociar da insanidade sanitária de Bolsonaro, interrompendo a explosão em série de balões: cloroquina, vacina do jacaré, 'vachina'... Perceba, caro general, que o lema 'um manda e o outro obedece' virou uma sentença: 'Um manda e o outro se dana'. Torne-se um delator. Dai a César as culpas que são de César."
Lewandowski garantiu ainda a Pazuello a prerrogativa de ser assistido por advogado durante todo o depoimento e o direito de ser "inquirido com dignidade, urbanidade e respeito, ao qual, de resto, fazem jus todos depoentes". Anotou no seu despacho que o general não pode "sofrer quaisquer constrangimentos físicos ou morais, em especial ameaças de prisão ou de processo..." Foi como se o ministro emitisse uma ordem aos senadores da CPI: "Tratem o depoente com a candura de uma criança!"
Por Josias de Souza
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