A CPI da Covid enfraquecerá Bolsonaro sem derrubá-lo. Os inimigos do capitão estão eufóricos. Mas o que vem por aí é um cenário perigoso: um presidente sem juízo e sem projeto, mas com uma pandemia, uma ruína econômica e quase dois anos de mandato pela frente.
A tragédia sanitária é apenas a parte mais letal do fiasco em que se converteu a Presidência de Bolsonaro. O Ministério da Saúde não é o único setor do governo submetido à pane gerencial. O MEC sofre retrocessos que levarão anos para ser revertidos. O setor ambiental encontra-se devastado.
Na área econômica, há um ex-superministro que, sem poder elevar a própria estatura, rebaixa o pé direito do seu gabinete. Ajusta suas pretensões reformistas às limitações de um presidente que se revelou bem menor do que a crise que engolfa o seu governo.
Nos próximos meses, seguindo o rastro de provas que Bolsonaro produziu contra si mesmo durante a crise sanitária, a CPI vai estragar o papel que o capitão mais gosta de desempenhar: o de colocar a culpa nos outros. Ao esmiuçar os erros que Bolsonaro cometeu como se cultivasse o desejo secreto de ser apanhado, a CPI encurtará a margem de manobra do presidente.
No caso de Bolsonaro, um personagem que nunca teve apreço pelas instituições democráticas, a falta de espaço para manobrar é um convite para extravagâncias. O capitão voltou a falar em "meu Exército" e "minhas Forças Armadas". Sobrevoou novamente em helicóptero da FAB uma aglomeração de devotos, alguns deles partidários de uma intervenção militar. O príncipe Zero Três aplaudiu a ocupação que o autocrata de El Salvador promove na Suprema Corte local.
Ao apresentar Bolsonaro a si mesmo, evitando por meio de depoimentos e documentos que o presidente terceirize os seus erros, a CPI reforçará a falência de um projeto que se baseava na teatralização do novo. O velho deputado encrenqueiro do baixo clero que se apresentou em 2018 como uma fulgurante novidade chegará a 2022 como um estelionato político.
Bolsonaro vendeu-se ao eleitorado como um político antissistema, anticorrupção e pró-liberalismo econômico. Hoje, está acorrentado ao sistêmico centrão, chefia uma organização familiar com fins lucrativos e dá de ombros para a agenda de reformas liberais.
Enquanto se finge de fortão, Bolsonaro é governado pelo vírus que, negligenciado por ele, passou a influenciar o rumo do governo enquanto mata. Com os calcanhares expostos na vitrine da CPI, o presidente tende a se dar por satisfeito se conseguir alcançar os dois objetivos que lhe restaram: não cair e continuar passando a impressão de que faz e acontece.
Pior do que um presidente sem rumo só uma oposição desorientada. Numa evidência dos perigos que assediam o país, a única novidade do noticiário político é que José Sarney, o morubixaba da tribo do MDB, foi procurado por Bolsonaro e por Lula. Quando a esquerda e a direita buscam saídas no epicentro do patrimonialismo arcaico, resta ao brasileiro aguardar pelas próximas manobras e proteger a carteira.
Por Josias de Souza
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