quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Tentam fazer Kássio negar a Constituição. E não é o rebanho bolsonarista!



O fanatismo que o lava-jatismo inoculou — e não escolho o verbo por acaso — na sociedade brasileira é, em muitos aspectos, mais perverso do que a boçalidade bolsonarista. Esta surfa numa onda. A pandemia ideológica — epidemia nos limites nativos —, como todas, vai passar. Um dia chega a imunidade do rebanho. Uma sociedade, ou parte considerável dela, não consegue viver longos ciclos na ponta dos cascos.

Como percebem, o bolsonarismo não supõe nenhuma forma de acomodação ou mesmo consolidação de, digamos assim, "conquistas conservadoras" — que, de fato, não passam de regressões reacionárias. A linha de frente da militância bolsonarista alimenta ideias primárias de disrupção da ordem. O gado precisa desse delírio para se manter unido. Por isso o choque e o chilique quando veem seu "Mito" indicar para o Supremo um desembargador federal que é bem aceito pela comunidade jurídica.

Ainda falta explicar com mais clareza por que diabos, afinal, Bolsonaro fez tal escolha. E este escriba não se furtará a fazê-lo, fiquem certos. Está por pouco. É tão óbvio que chega quase a ser aborrecido. Mas até agora não se disse. Neste texto, no entanto, quero me fixar no aspecto que já enunciei aqui: o veneno lavajatista é mais perverso. E também mais duradouro.

Não custa lembrar — e muitas vezes já me dediquei a tal aspecto — que foi a Lava Jato a abrir as portas para Jair Bolsonaro. Sim, claro! Sem a facada, talvez ele não estivesse sentado na cadeira da Presidência. Mas isso é apenas a história do "se". Jamais passará de uma hipótese num passado que não existiu. Prefiro me fixar, isto sim, nas circunstâncias que existiram e que subsistem.

Kássio Nunes tem conversado com senadores. Precisa da aprovação de pelo menos 41 deles para chegar ao Supremo. E os parlamentares querem, por certo, saber o que ele pensa sobre isso e aquilo. E eis que, numa dessas conversas, surgiu a questão da execução da pena depois da condenação em segunda instância. Dia desses, no Twitter, o ex-juiz Sergio Moro — que, consta, está pensando em se mandar do país — expediu uma espécie de sentença: ou o candidato ao STF se compromete com tal posição ou não está empenhado em combater a corrupção!

Kássio explicou que se limitara, numa entrevista, a afirmar que, em 2016, o STF havia autorizado, mas não imposto, a execução da pena depois da segunda instância. E é verdade. Quando a questão voltou a ser tratada, no fim de 2019, aí em julgamento de matéria constitucional, firmou-se o entendimento de que o Artigo 283 do Código de Processo Penal é constitucional. Se é, e é, lá está escrito que, em caso de condenação, a pena só é executada depois do trânsito em julgado — espelhando, diga-se, o que vai no Inciso LVII do Artigo V da Constituição.

Em seguida, fazendo uma reverência em princípio correta ao público ao qual falava — senadores! —, afirmou que aplicará, como ministro, a decisão do Congresso.

Pois é... "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". É o que está na Constituição. Não há como cumpri-la e executar uma pena antes do trânsito em julgado porque isso implica punir aquele que o Estado, por intermédio de sua Carta Constitucional, não considera culpado. A alternativa é tentar mudar o sentido da expressão "trânsito em julgado", que significa processo encerrado, sem chance para apelo. Nesse caso, fraudar-se-iam os vocábulos para se fraudar a Lei Maior.

Kássio perdeu a chance de explicar aos senadores que a emenda que está em tramitação no Congresso mudando o conteúdo do Inciso LVII é inconstitucional porque todo o Artigo 5º da Constituição é cláusula pétrea, segundo dispõe o Artigo 60. Errado, pois, andou o Supremo em 2016, não em 2019, quando declarou a constitucionalidade do Artigo 283 do Código de Processo Penal.

Bolsonaro, por enquanto, é beneficiário de uma agressão à Constituição, não é mesmo? Ainda que Lula tivesse sido impedido de concorrer em 2018 em razão da Lei da Ficha Limpa, já que condenado em segunda instância, uma coisa foi a campanha eleitoral com ele na cadeia contra o que dispõem a Carta e o Código de Processo Penal; outra coisa poderia ter sido se estivesse livre, já que foi condenado pelo STJ apenas em abril do ano passado.

Por que um beneficiário do espírito ilegalista da Lava Jato indicou um nome que foi bem-recebido pelos garantistas? Eis a pergunta que aguarda a tal resposta.

Por Reinaldo Azevedo

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