Jair Bolsonaro decidiu fazer uma visita surpresa a seu ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello. Quando em Brasília, este mora no Hotel de Trânsito de Oficiais do Exército. Com Covid-19, estava dormindo quando o presidente chegou. O chefe houve por bem gravar um vídeo para anunciar que o ministro fica no cargo. Ninguém esperava ver o Exército Brasileiro passar por tamanha humilhação na figura do general Macunaíma, a personagens que Mário de Andrade chamou "o herói sem nenhum caráter".
"Humilhação para o Exército Brasileiro, Reinaldo? Não exagere!" Não há nenhum exagero na afirmação. Pazuello é da ativa, o que é, por si, uma excrecência, e foi o próprio Bolsonaro a evocar a condição militar de ambos. O diálogo é o exemplo acabado da vergonha alheia.
Diz o presidente: "Na semana que vem, com certeza, tu volta para o batente". Ao que respondeu o general, como quem implorasse um emprego: "Pois é, estão dizendo que não, né?" No rosto, o riso dos parvos. E emendou um tímido: "Tamo junto".
E o chefe continuou: "Falaram que a gente tava brigado, aí. No meio militar é comum acontecer isso aqui. É o choque, aquela coisa, não teve problema nenhum!"
Faço uma indagação antes que continue a reproduzir a conversa. O que, exatamente, é o comum a acontecer no meio militar? O subordinado cumprir a missão que foi combinada com o chefe e ser desmoralizado por este, em praça pública, tratado como um pateta? Mais: quem é Bolsonaro para falar em nome do "meio militar"? O capitão que pensava explodir bombas em quarteis para protestar contra superiores? Aquele que chegou a desenhar o croqui para explodir a adutora do Guandu? O homem que, na prática, foi expulso das fileiras do Exército, ainda que se tenha arranjado uma saída menos desonrosa para ele?
A este capitão reformado à força serve de esbirro um general da ativa? Aquele que pretende estar na Saúde no papel de um bom soldado faz as vezes de capacho do capitão indisciplinado — e foi Bolsonaro, reitero, a evocar o uniforme — e do político tresloucado, que não hesita em ameaçar a vacinação de milhões de brasileiros, atendendo a interesses certamente pouco republicanos?
Sim, não se enganem com a história da carochinha, segundo a qual o presidente está apenas buscando atingir João Doria, governador de São Paulo. A ação do chefe do Executivo se coordena com a pressão da delegação americana que veio ao Brasil como capítulo da guerra comercial que os EUA travam contra a China. Há caroço nesse angu, e ele não é pequeno.
E se viu, então, um general do Exército, da ativa, ter um comportamento rastejante. Com alguma sobra de dignidade, o Alto Comando do Exército lhe impõe imediatamente a passagem para a reserva. Mas parece que o Partido da Boquinha, em que se transformaram as Forças Armadas, não tem compromisso nenhum com o que pode haver também de virtuoso em sua história.
Rindo de modo meio abobado, falou o general, convertido em soldado raso de uma patuscada:
"Senhores, é simples assim: um manda e o outro obedece".
Bolsonaro deu, então, um sorriso que o psicanalista austríaco Wilhelm Reich definiria como "orgástico". Acontecia ali um momento mágico. O prosélito marginal que se impôs sobre os escombros do sistema político, destruído pela Lava Jato, sentia um oficial de alta patente lamber as botas do soldado indisciplinado, que foi expelido do Exército.
E se Reich entra na parada, não poderia faltar, claro, uma certa palpitação erótica — no caso, de caserna. O general ainda acrescentou: "Mas a gente tem um carinho, entende? Dá pra desenrolar".
O capitão reformado, então, fez uma de suas piadas prediletas: simular relação homoerótica com aqueles que submete ao vexame ou que julga ter conquistado com o que imagina ser seu charme: "Opa! Está pintando um clima aqui".
E depois vieram os elogios ao aviltado, o que também é comum em situações assim. Afirmou que Pazuello foi "um dos melhores ministros da Saúde que tivemos", o que, nem é preciso muito esforço para constatar, é amplamente desmentido pelos fatos. Nem um bom ministro nem um bom general suportariam a desmoralização pública a que Pazuello respondeu com um sorriso subserviente.
Políticos de oposição, governadores de Estado, estudiosos da saúde, juristas, cidadãos em geral: convém que todos fiquemos atentos. Há sinais de que será preciso apelar ao tribunal constitucional — ao STF — para que os brasileiros de São Paulo ao menos tenham o direito à vacina.
Com a ajuda das Forças Armadas, Bolsonaro decidiu adorar o Deus de Trump, e a saúde da população virou moeda de troca. E lá estava, servil e sorridente, o general Macunaíma.
Por Reinaldo Azevedo
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