quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Associação de juízes manda a Justiça às favas; pretexto é combater o crime



Lamentável e oportunista a decisão da Associação dos Magistrados Brasileiros, que decidiu recorrer ao Supremo com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o Parágrafo Único do Artigo 316, que impõe a revisão a cada 90 dias do decreto de prisão preventiva.

Com a vênia máxima, o instrumento não serve aos "Andrés do Rap" que a gente vê e que dispõem de bons advogados. Tampouco se limita a oferecer uma garantia própria a estados democráticos e de direito aos alvos da Lava Jato — que devem estar na mira da AMB.

Há quase 260 mil presos provisórios nos presídios do país. Há de 15 mil a 16 mil, não se sabe ao certo, nas delegacias.

A prisão preventiva tem um disciplinamento. Está no Artigo 312 do Código de Processo Penal.

Lembro:
"A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria."

Será mesmo, doutores, que, em todos esses casos, existe o "indício suficiente de autoria"? Mais: todos eles representam uma ameaça à ordem pública ou econômica? Seus crimes são contemporâneos ou têm caráter reiterado? Estão lá em benefício da instrução criminal? Se em liberdade, correm o risco de fugir?

Parabéns à AMB! Ninguém desconfiava, mas a associação acaba de declarar a sanidade do sistema penal brasileiro. Nunca houve país mais justo na Terra.

Sim, admito: faz-se necessário um disciplinamento. Mas que se conserve a essência do Parágrafo Único do Artigo 316. Tem-se ao menos um convite a um pouco mais de sanidade e decência nessa área.

A AMB deveria, isto sim, é estar empenhada em outra coisa. Essa associação e outras de juízes deveriam empreender uma verdadeira cruzada para que seus associados, diante de um pedido de prisão preventiva apresentado pelo Ministério Público, observassem rigorosamente o que dispõe o Artigo 315 do Código de Processo Penal, a saber:

A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada.

§ 1º Na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra cautelar, o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.

§ 2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Se o que vai acima fosse aplicado na sua inteireza, os cárceres brasileiros certamente não ostentariam a vergonhosa marca de contar, à parte as delegacias, com 34% de presos provisórios. Em alguns Estados, pode-se chegar a 80%.

Com a devida vênia, essa Adin traduz falta de compostura e impiedade.

Disciplinar o Parágrafo Único do Artigo 316, sim! Eliminá-lo não!

Estou curioso para ler a argumentação. Seria inconstitucional por quê? A Constituição, por acabo, define em algum artigo secreto, que só a AMB conhece, que é proibido proceder a uma revisão periódica das prisões preventivas? Ou, então, que "preventivo" quer dizer "perpétuo" enquanto assim quiserem o juiz ou o Ministério Público.

A degradação intelectual em curso nessa área é espantosa!

Por Reinaldo Azevedo

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