Jair Bolsonaro e Lula tornaram-se cabos eleitorais um do outro. Interessa a ambos repetir em 2022 a polarização de 2018. Se a eleição fosse hoje, indicam as pesquisas, Bolsonaro prevaleceria com folga sobre Lula. Ou sobre o poste que o líder petista indicasse. Mas o jogo não está jogado. Há gatos gordos na tuba do projeto político do presidente.
Beneficiário do antipetismo, maior força eleitoral da sucessão passada, Bolsonaro fornece material capaz de potencializar uma onda emergente: o anti-bolsonarismo. Sem opositores à altura, o presidente tropeça nos próprios erros.
Bolsonaro costuma bloquear os internautas que comparecem às suas redes sociais para criticá-lo. Nas últimas semanas, segundo relatou a auxiliares, ele teve de intensificar esse hábito. Muitos dos seus seguidores passaram a exibir um comportamento de perseguidores. O fio condutor dos questionamentos é o descompromisso de Bolsonaro com a agenda anticorrupção.
Incomodado, o presidente desenvolve uma resposta padrão. Declara que os críticos favorecem a volta do PT ao poder. Algo que transformaria o Brasil numa Venezuela. Ou numa Argentina. Bolsonaro ainda não notou. Mas a contrariedade que chega às suas contas eletrônicas pode favorecer não a volta do petismo, mas o surgimento de um candidato capaz de representar o papel de novidade.
O penúltimo gato a entrar na tuba do plano de reeleição foi Kassio Marques, o indicado de Bolsonaro para a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal. Os devotos do presidente abominaram a escolha. Odiaram o fato de Bolsonaro ter submetido o nome ao aval de Gilmar Mendes e Dias Toffoli, duas togas que o bolsonarismo queimava em praça pública até outro dia. O apoio de senadores como Renan Calheiros e Fernando Collor, seguido da adesão das bancadas do PT e do PDT no Senado, produziram na base bolsonarista um curto-circuito.
Bolsonaro chegou ao Planalto com uma bola na marca do pênalti da popularidade: a Lava Jato. Fez vários gols. Todos contra. Verificou-se que seu apoio à cruzada anticorrupção era de vidro e se quebrou. Hoje, Bolsonaro mantém uma improdutiva proximidade com o centrão. Há muito "toma lá" e pouco "dá cá". A distribuição de cargos não impulsionou a agenda de reformas liberais no Congresso.
O tapete do governo tornou-se pequeno. O chorume que escorre pelas bordas inclui um ex-vice líder com dinheiro na cueca, dois filhos suspeitos de peculato, um operador de rachadinhas em prisão domiciliar, dois líderes no Congresso investigados por corrupção, um ministro condenado por improbidade, dois ministros aguardando na fila da condenação... Tudo isso e mais a primeira-dama com uma interrogação no valor de R$ 89 mil na conta bancária.
O odor do melado é encoberto pelo aroma do auxílio emergencial da pandemia, que caiu de R$ 600 para R$ 300. Em privado, Bolsonaro declara que não abre mão de criar um benefício novo para colocar no lugar do vale corona a partir de janeiro. Em público, reconhece que não há dinheiro. Esquiva-se de exercer o papel antipático e intransferível de informar que despesas pretende cancelar para financiar o seu Renda Cidadã.
O compromisso com a austeridade está prestes a subir no teto de gastos. Antes da crise sanitária, o governo entregou um pibinho de 1,2%. Hoje, convive com a recessão da pandemia. Os desempregados já somam 14 milhões. E as reformas econômicas viraram prioridades de gogó. Ou Bolsonaro dá um cavalo de pau no seu governo ou se arrisca a chegar a 2022 como candidato favorito a fazer de um outro Bolsonaro o próximo presidente do Brasil.
Por Josias de Souza
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