quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Sob Bolsonaro, Brasil repete pior nota em ranking de percepção do combate à corrupção


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A eleição de Jair Bolsonaro (sem partido), impulsionada por promessas de combate à corrupção, não alterou a percepção sobre este problema no seu primeiro ano de governo, marcado por denúncias contra integrantes do governo e familiares do presidente.

Em 2019, o Brasil caiu uma posição no ranking do IPC (Índice de Percepção da Corrupção), e ocupa a 106ª posição entre os 180 países avaliados —atrás de outros latino-americanos como Argentina (66ª), Chile (26ª), Colômbia (96ª), Cuba (60ª), Equador (93ª) e Uruguai (21ª).

Elaborado pela ONG Transparência Internacional, o ranking atribui notas de 0 a 100 a países com base em pesquisas e relatórios sobre como o setor público é percebido por especialistas e executivos de empresas no que diz respeito à prática de corrupção.

O Brasil repetiu a mesma nota 35 recebida em 2018, a pior do país desde 2012.

Isso indica que o novo governo, apesar do discurso, não adotou medidas que impactassem na percepção de que práticas corruptas, tais como abuso de poder, subornos e acordos secretos, tenham diminuído no país.

Brasil ocupa a 106ª posição em ranking de percepção da corrupção com 180 países
35
2019
43
2012
42
2013
43
2014
38
2015
40
2016
37
2017
35
2018
35
2019
Países com a mesma nota do Brasil:
Albânia, Argélia, Costa do Marfim, Egito, Mongólia, Macedônia

Os 10 menos corruptos
• Dinamarca
• Nova Zelândia
• Finlândia
• Singapura
• Suécia
• Suíça
• Noruega
• Holanda
• Alemanha
• Luxemburgo

Os 10 mais corruptos
• Somália
• Sudão do Sul
• Síria
• Iêmen
• Venezuela
• Sudão
• Guiné Equatorial
• Afeganistão
• Coreia do Norte
• Líbia
Fonte: Ranking de 2019 do IPC (Índice de Percepção da Corrupção), elaborado pela ONG Transparência Internacional

*

"O resultado reflete um ano de poucos avanços e muitos retrocessos na luta contra a corrupção no Brasil", avalia Bruno Brandão, diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil.

Para ele, trata-se de prova de que "discurso não é o suficiente". "São necessárias medidas efetivas e coerência nas atitudes em todos os âmbitos", diz.

Entre os poucos avanços citados, ele destaca o decreto do governo federal que exige ficha limpa para aqueles nomeados a cargos de confiança e um fortalecimento da Polícia Federal, que recebeu 1.200 novos agentes e deflagrou operações importantes.

Brandão cita aquela que prendeu advogados e afastou desembargadores e o presidente do Tribunal da Justiça da Bahia por suposto esquema de venda de decisões judiciais. 

Além disso, ele cita como muito positiva a criação de 29 delegacias estaduais de combate à corrupção.

Na manhã desta quinta-feira (23), em mais um ataque à imprensa em suas redes sociais, o presidente Bolsonaro criticou a Folha pela publicação desta reportagem sobre o relatório. "Folha de São Paulo recorre até às ONGs para criticar Jair Bolsonaro. É a credibilidade do jornal abaixo do esgoto, no pré-sal do chorume."

Segundo a pesquisa, no Legislativo, a aprovação de medidas do pacote anticrime, tais como o confisco alargado e mudanças no sistema de prescrição, foram apontadas como relevantes, além da derrubada do decreto presidencial que facilitava a classificação de informações públicas como sigilosas.

Já a lista de retrocessos constantes no relatório da Transparência Internacional é bem mais alentada.

O texto aponta para investigações de corrupção envolvendo membros do núcleo duro do governo, como o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, denunciado por esquema de candidaturas laranjas do PSL, e o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho, envolvido em investigações sobre suborno.

Filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro também é investigado sob suspeita dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa.

"O grau de tolerância do presidente com esses casos é contraditório com o discurso de campanha do presidente", avalia Brandão.

Ele também aponta como problemáticas decisões do Executivo que sugerem interferência política em órgãos-chave do combate à corrupção: afastamento do presidente do Coaf, substituições na PF do Rio e na Receita Federal, além da nomeação de um procurador-geral alinhado ao presidente.

Para a cientista política Nara Pavão, professora da Universidade Federal de Pernambuco, "a corrupção pode ser combatida pelas instituições ou pelas urnas, e a continuidade dessas práticas no atual governo manda a mensagem de que corrupção faz parte da política, o que pode gerar cinismo e desencanto".

Ataques à mídia e à sociedade civil organizada também são avaliados como retrocessos que pioram a percepção sobre a corrupção, segundo a ONG. "Uma imprensa livre e uma sociedade civil ativa são dois pilares fundamentais do combate à corrupção", diz Brandão. 

Para Nara Pavão —que critica o IPC por ser baseado "na percepção apenas de algumas poucas elites— "a corrupção é algo inerentemente secreto, e só ficamos sabendo dela quando a mídia a reportar". 

Ela explica que, quando uma denúncia de corrupção é trazida por uma fonte com credibilidade, o peso eleitoral negativo aumenta. "Se a mídia perde credibilidade, perdemos essa única fonte de denúncias de corrupção que sejam politicamente custosas." 

Entre retrocessos promovidos pelo Legislativo, segundo a ONG, estão a minirreforma eleitoral, que vai na contramão do combate à corrupção ao aumentar a disponibilidade de recursos públicos para partidos enquanto reduz o controle e a transparência desses gastos. 

No Judiciário, o caso mais grave seria o da decisão do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, depois revertida pelo plenário, que suspendeu investigações criminais que usassem, sem autorização judicial, dados sigilosos do Coaf e da Receita Federal. A decisão motivou uma visita inédita do grupo anticorrupção da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) ao país.

Na Folha

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