"Essa imprensa que aqui está me olhando", declarou o presidente. "Comecem a produzir verdades, porque só a verdade pode nos libertar."
Magnânimo, emendou: "Não tomarei nenhuma medida para censurá-la, mas tomem vergonha na cara."
O contrário do antigovernismo primário é um pró-governismo inocente, que aceita todas as presunções de Jair Bolsonaro a seu próprio respeito.
Em matéria de ética, isso inclui concordar com a tese segundo a qual o capitão veio ao mundo para desempenhar uma missão que, por ser divina, é inquestionável.
Bolsonaro considera-se beneficiário de dois "milagres". Num, sobreviveu à facada. Noutro, foi eleito presidente do Brasil. Por isso, acha que foi "escolhido por Deus".
Todo líder político cultiva a fantasia da excepcionalidade. Bolsonaro inclui-se no grupo dos que exageram.
Evocando o versículo do Evangelho de João —"Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará"—, o capitão imagina que seu destino evangelizador o dispensa de dar explicações.
Não é o cinismo de Bolsonaro que assusta. O cinismo pelo menos é uma estratégia compreensível para um presidente que se diz amigo do Queiroz e está rodeado de filhos, ministros e auxiliares encrencados com a lei.
O que espanta é perceber que Bolsonaro fala como se acreditasse de verdade que sua missão sublime lhe dá o direito de atentar contra a inteligência alheia.
Desprezadas a lógica e os fatos, sobram o cinismo e a licença dada por Bolsonaro a si mesmo para tratar os brasileiros como bobos.
"A nossa imprensa tem medo da verdade", bateu Bolsonaro. "Deturpam o tempo todo. E quando não conseguem deturpar, mentem descaradamente!"
Bolsonaro passara o dia sob os efeitos da notícia que revelara a dupla militância do secretário de Comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten.
O secretário é sócio de empresa que mantém negócios com tevês e agências contratadas pela Secom.
Mais cedo, Bolsonaro mandara uma repórter da Folha, jornal que havia veiculado a reportagem, calar a boca.
Espremido sobre os contratos da firma de Wajngarten, o presidente partiu para a grosseria: "Tá falando da sua mãe". E a repórter: "Não, estou falando do secretário de Comunicação, Fabio Wajngarten."
No fundo, ao sonegar explicações à imprensa, Bolsonaro pede aos brasileiros que façam como ele, se fingindo de imbecis pelo bem da pátria.
Bolsonaro foi alertado para a evidência de que Wajngarten tornou-se um caso clássico de conflito de interesses. Mas não convém colocar em risco a tranquilidade do governo por algo tão supérfluo como a verdade.
Não seria o primeiro sacrifício, apenas mais uma história mal contada em meio a tantas outras: o amigo Queiroz e as cifras repassadas à primeira-dama Michelle, os filhos sob investigação, os ministros enrolados...
De resto, um povo que por 13 anos foi espoliado pelo petismo e seus comparsas já tem prática no papel de bobo. Bolsonaro raciocina com seus botões: Um embuste a mais, um embuste a menos...
Por Josias de Souza
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