domingo, 12 de janeiro de 2020

Execução de Soleimani já custou 236 cadáveres


Atta Kenare/AFP

Há cadáveres demais no noticiário. Concebido para matar um personagem, o ataque ordenado por Donald Trump contra o general iraniano Qassim Suleimani, resultou numa afronta a qualquer noção mínima de custo—benefício. 

No bombardeio ao comboio de Soleimani, em território iraquiano, morreram outras quatro pessoas. No cortejo fúnebre do general, em solo iraniano, feneceram por asfixia ou pisoteamento mais 56 pessoas.

No avião civil ucraniano abatido por militares do Irã "por engano", carbonizaram-se 167 passageiros e nove tripulantes. Ao admitir por pressão o erro que omitia por opção, o governo dos aiatolás reacendeu as ruas de Teerã. 

Tudo somado, desceram à cova, além de Soleimani, 236 pessoas. Não há vestígio de caixão com a bandeira americana em cima.

Suleimani tinha sangue nas mãos. Comandava a unidade de elite da Guarda Revolucionária do Irã. Idealizava ações terroristas, terceirizando-as. Trump alega que o general tramava atacar embaixadas americanas. 

Ninguém é contra a ação antiterror, sobretudo depois que a turma de Osama Bin Laden enfiou um par de jatos nas torres gêmeas de Nova York. Mas Trump já asfixiava o Irã com sucesso. Fazia isso por meio de embargos que deixaram a economia do país em frangalhos.

Ah, que saudade da Guerra Fria! Naquela época, o mundo sabia que podia morrer a qualquer momento. Se acontecesse o pior, mísseis americanos cruzariam com mísseis soviéticos. E as duas potências se aniquilariam mutuamente, eliminando o resto do mundo por contaminação radioativa. 

Foram para o beleléu a União Soviética e a Guerra Fria. Houve grande alívio. Mas sobreveio o fantasma do terror, que também está associado ao flagelo atômico. A crise agora inclui um ingrediente perturbador: a falta de nitidez.

Muitos tentam reduzir a coisa a um mero choque de civilizações. Algo como Islã versus Grande Satã. Tentativa vã de recriar a fórmula simplificadora da Guerra Fria —dessa vez com uma potência só. 

Impossível simplificar os interesses assentados no Oriente Médio. Nem só de petróleo é feita a encrenca. Não se enxerga, por exemplo, uma fronteira capaz de delimitar os direitos de Israel e os anseios da Palestina.

Como satanizar o regime arbitrário dos aiatolás e conviver harmoniosamente com a autocracia saudita? Como defender a própria soberania e transformar o Iraque em Casa da Mãe Joana? Como combater o Estado Islâmico e ameaçar destruir o patrimônio cultural persa? 

Mesmo sem a formalidade de uma declaração de guerra, a tensão continua no ar. Além do excesso de cadáveres, há muita ambiguidade. Ninguém está livre dos efeitos colaterais do conflito. Hoje, atira-se um míssil contra um avião civil. Amanhã...

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