sexta-feira, 15 de julho de 2022

Bolsonaro se firma como maior rival de si mesmo



Cada vez que abre a boca, Bolsonaro faz uma defesa inconsciente do voto útil, aquele que vai para qualquer candidato, desde que o capitão seja banido do Planalto. Na noite desta quarta-feira, podendo faturar a vitória obtida na Câmara com a aprovação da PEC da eleição, o presidente usou o discurso num evento evangélico na cidade maranhense de Imperatriz para repisar sua pregação arcaica, homofóbica e impertinente.

Bolsonaro deu de ombros para o diagnóstico do seu próprio comitê de campanha, que vem recomendando ao candidato desperdiçar menos tempo com o circuito cercadinho - motociata - culto evangélico, para se concentrar na agenda econômica. Nessa avaliação, a maioria do voto conservador já está com Bolsonaro.

Para avançar, o capitão teria de reconquistar bolsonaristas frustrados e entrar no nicho majoritário, que reúne o eleitorado pobre, com renda de até dois salários mínimos. Bolsonaro prefere exercitar suas obsessões. Repetiu que seu modelo de família é composto por "homem, mulher e prole". A bordo do terceiro casamento, Bolsonaro foge do padrão que traçou para os outros cristãos.

No seu caso, a tríade adequada seria "misógino, mulheres e prole". Indispensável esclarecer, de resto, que a descendência de Bolsonaro não é uma prole qualquer. Inovando no brocardo —Quem sai aos seus não endireita— os filhos do capitão fizeram como pai: casaram-se com a pátria e foram morar nas rachadinhas do déficit público.

"O que nós queremos é que o Joãozinho seja Joãozinho a vida toda", regurgitou Bolsonaro a certa altura, "que a Mariazinha seja Maria a vida toda, que constituam família, que seu caráter não seja deturpado em sala de aula." Mais do mesmo. Há 11 anos, o personagem dizia coisas assim: "Não vou dar uma de hipócrita. Prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí."

O que atormenta não é a audição do estúpido, mas a constatação de que a estupidez dá expediente no Planalto há três anos e meio. Bolsonaro esquece que Joãozinho e Mariazinha, seja qual for o formato da alcova, são contribuintes e eleitores. A primeira condição os credencia a receber tratamento respeitoso do presidente e serviços compatíveis do Estado. A segunda lhes permite destinar o voto a candidatos menos toscos, estimulando amigos e familiares a fazerem o mesmo.

O desafio eleitoral de Bolsonaro não é pequeno. Ao contrário, aumenta na proporção direta da aproximação do dia da eleição. Sua ascensão ao Planalto foi uma consequência direta da polarização. O lógico seria que, depois de eleito, virasse um presidente de todos. Passou a governar apenas para um terço do país. Adicionou ao seu pudim raiva e desinformação.


No auge da pandemia, degustou um surto momentâneo de popularidade. Coisa proporcionada sobretudo pelo Auxílio Emergencial de R$ 600, aprovado pelo Congresso (Paulo Guedes queria pagar FR 200). Criado o Auxílio Brasil de R$ 400, verificou-se que o encantamento era de vidro. Bolsonaro o quebrou.

Agora, o governo se equipa para pagar novamente um auxílio de R$ 600. O diabo é que a cifra já não compra a mesma quantidade de alimentos. Para se equiparar ao antigo valor, os R$ 600 de hoje precisariam valer o equivalente a R$ 725.

Quer dizer: a 80 dias da eleição, Bolsonaro precisaria usar toda sua capacidade de comunicação, comprovada na conquista de sete mandatos de deputado e um de presidente, para instalar um megafone nos R$ 41 bilhões que o Congresso o autorizou a usar na compra de votos. Por isso o centrão se exaspera com a incapacidade de Bolsonaro de mudar de assunto, atendo-se ao que lhe interessa.

No Datafolha divulgado no mês passado, Lula liderava a disputa com 19 pontos à frente de Bolsonaro. Entre os eleitores que recebem o Auxílio Brasil, a vantagem de Lula era ainda maior: 37 pontos. É essa diferença que o comitê da reeleição quer encurtar. O que parece apenas difícil roça o inatingível com um presidente que desperdiça seu tempo mimando quem já vota nele.

A melhor hora para mudar é quando a mudança ainda não é necessária. O capitão já perdeu a hora. Desperdiça o seu momento desde o dia da posse. Hoje, Bolsonaro se consolida como principal rival de si mesmo.

Por Josias de Souza

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