sábado, 30 de julho de 2022

Analiso manifesto dos "Excluídos Gramaticais e Éticos" da extrema-direita


No dia 10 de maio de 1933, o Partido Nazista promoveu uma grande queima de livros considerados inconvenientes em várias cidades da Alemanha; acima, o evento macabro em Bebelplatz, em Berlim. Triunfo da ignorância ressentida Imagem: Reprodução

Consta que um grupo de 1.600 advogados que se intitulam "de direita" pediu uma audiência a Edson Fachin, presidente do TSE. Compõem um certo "Movimento Advogados de Direita Brasil (ADBR)". Sei. Podem saber alguma coisa sobre "a direita". E a ignorância que vem a nu é compatível com o rótulo que impõem a si mesmos. Mas parecem saber bem pouco sobre direito.

Eles estariam na raiz de um tal "Manifesto à Nação Brasileira", que ambiciona ser o contraponto direitista à "Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito", que está unindo — em vez de dividir — o país em favor dos valores consagrados pela Constituição de 1988.

Aberta a adesões, a Carta pode ser subscrita por qualquer pessoa que concorde com seus temos. E assim tem sido aos muitos milhares. Essa é uma ideia que pegou. E vozes especialmente relevantes da sociedade, que carregam, em vários aspectos, o valor de uma representação, também têm endossado o que logo se transformou num movimento. Este, sim, é real.

Empresários dos mais diversos setores se juntaram a milhares de vozes. O texto será lido na Faculdade de Direito da USP no dia 11 de agosto, ocasião em que virá à luz um segundo documento, com o mesmo propósito, assinado por entidades empresariais dos mais diversos setores. Para aderir à Carta e saber quem já assinou, clique aqui.

BOLSONARO, O MILICIANO DO CAPITALISMO NATIVO
Bolsonaro, acostumado a pregar golpe, sentiu o golpe -- entendida a palavra, agora, como um movimento incisivo em favor da democracia. A adesão em massa de empresários à carta e a gestação de um segundo documento antigolpista deixaram o presidente especialmente irritado porque ele se oferece para ser um guarda-costas do capital, desde que os capitalistas façam as suas vontades.

Entenderam a estranha relação que Bolsonaro pretende manter com o empresariado? Na conversa com Biden, ele também se apresentou como a garantia contra supostas ameaças aos interesses americanos no país. A verdade é que o "Mito" gostaria de ser, para o grande capital, aquilo que os milicianos são para comerciantes das áreas que tiranizam: "Paguem uma taxa, e ninguém vai importuná-los". Ocorre que a política brasileira não pode ser refém de uma lógica miliciana.

O tal "manifesto" dos direitistas é patético em vários aspectos — e a língua em que é vazado é um deles. Releiam a outra carta, a que tem unido o país. Em momento nenhum se faz a defesa desta ou daquela candidaturas; já o texto dos reaças incorre na defesa incondicional de Bolsonaro. Um documento cobra respeito aos valores consagrados pela Constituição; o outro é só um exercício de proselitismo ideológico; um está aberto a qualquer pessoa; o outro traz o inequívoco sotaque religioso. E Deus, convenham, para os que creem, tem mesmo de estar acima das disputas mundanas, não é? Põe Deus abaixo de todos aquele que o transforma em instrumento de luta política.

O texto é pedestre nos conceitos, notavelmente mal redigido e ainda abusa do Google para tentar transformar Tocqueville em militante de extrema direita. A propósito: por que o "manifesto" faz questão de atacar o socialismo? Imputa-se, por acaso, desvio socializante à Carta das Arcadas, endossada por grandes empresários e banqueiros?

Segue a redação ginasiana da tropa de extrema direita. Volto em seguida.

MANIFESTO À NAÇÃO BRASILEIRA

EM DEFESA DO BRASIL E DAS LIBERDADES DO POVO, PELO POVO E PARA POVO.

Nós, o povo brasileiro, na defesa do Brasil e das Liberdades do Povo, pelo Povo e para o Povo, e, em apoio ao Presidente do Brasil Jair Messias Bolsonaro nos dirigimos à Nação Brasileira, para declarar que sem liberdade não há democracia, sem justiça não há liberdade, sem honra não há respeito, sem dever não há ordem e progresso, sem piedade não há amor e humildade e sem esperança iremos sucumbir.

Há em nosso País a gravíssima tentativa da consolidação da "ditadura do pensamento único" que vem impondo a censura e desmonetização dos meios de comunicação independentes e de perfis de redes sociais de brasileiros.

Testemunhamos a instauração de inquéritos ilegais e inconstitucionais com o simples objetivo de criminalizar a opinião contrária, pelo órgão que deveria zelar pelos direitos fundamentais da população, abolindo nossas liberdades individuais e garantias fundamentais.

Somos um povo pacífico, que ama sua nação, que defende a democracia e as liberdades. Não podemos renunciar as liberdades que Deus nos deu. Nosso dever é lutar pelo que já conquistamos, por aquilo que cremos, por nossa fé, pelo direito de ir e vir, pelo direito de se expressar.

Qualquer pessoa deve ter o seu direito de se expressar livremente sem qualquer tipo de limites. A liberdade de expressão é o que permite o diálogo entre pontos de vista diferentes, antagônicos.

Sem o direito de se expressar, sem essa liberdade todos os demais direitos estarão prejudicados. A liberdade de expressão inclui o direito a fazer críticas, ou seja, a criticar quem quer que seja. Parcela da população brasileira hoje não pode usufruir desse direito. Está sendo impedida por pessoas que deveriam garantir.

Não é aceitável que um lado tente imputar a nós, um povo livre e pacífico, a condição de incentivadores de atos antidemocráticos e de divulgadores de fake News. A verdade é que uma pequena parcela da população detentora de poder, não aceita críticas. Não aceita escutar a opinião do POVO, do PODER SUPREMO DE UMA NAÇÃO DEMOCRÁTICA.

Os milhões de cidadãos brasileiros, incluindo o Presidente da República Federativa do Brasil, o Exmo. Sr. Jair Messias Bolsonaro em suas liberdades individuais buscam posicionar-se perante a sociedade com opiniões acerca de temas importantes para nação, no entanto, estamos sofrendo ataques infundados por pessoas que não respeitam opiniões diferentes.

Nossas convicções de DEUS, PÁTRIA, FAMÍLIA E LIBERDADE em nada ofende quem quer que seja e tampouco ameaça a democracia como tanto repetem. Precisamos estar unidos para defender as LIBERDADES, porque SEM LIBERDADE NÃO HÁ DEMOCRACIA.

Por fim, concluímos este Manifesto com a seguinte expressão de Alexis de Tocqueville: "Democracia amplia a esfera da liberdade individual, o socialismo a restringe. Democracia atribui todo o valor possível de cada homem; socialismo faz de cada homem um mero agente, um mero número. Democracia e socialismo não têm nada em comum além de uma palavra: igualdade. Com uma grande diferença: enquanto a democracia procura a igualdade na liberdade, o socialismo procura a igualdade no controle e na servidão".

Deus seja Louvado.

Brasil acima de Tudo.

República Federativa do Brasil, 28 de julho de 2022.

RETOMO
Se isso é o melhor que podem fazer 1.600 advogados de direita, temo por seus clientes. Há pelo menos 26 erros de pontuação no texto -- 16 só no primeiro parágrafo. Há ainda um de concordância verbal, um de crase, dois de regência verbal, um de regência nominal, um de pronome oblíquo, que não corresponde à pessoa gramatical do sujeito, e um anacoluto.

Ora, quem diria!? Essa gente sempre tão avessa às políticas de reparação poderia iniciar o "Movimento dos Advogados Bolsonaristas e Excluídos Gramaticais e Éticos".

Esses tementes a Deus não tiveram acesso nem sequer a uma boa tradução da Bíblia?

E uma breve consideração sobre a frase "Qualquer pessoa deve ter o seu direito de se expressar livremente sem qualquer tipo de limites". É mesmo?

Posso afirmar, então, que advogados bolsonaristas defendem que antissemitas e pedófilos têm o direito de fazer proselitismo em favor de sua causa? Ou a expressão "sem qualquer limites" exclui antissemitismo e pedofilia, por exemplo? E apologia do estupro, que fez de Bolsonaro um réu no Supremo?

Seja na gramática, seja no conteúdo, seja no direito que praticam, os tais "advogados de direita" me lembram mais os arruaceiros do fundão da quinta série.

Finalmente, cumpre observar: fazer de Tocqueville um militante contra o socialismo — especialmente porque se referia a movimentos pré-marxistas —, como se aquela crítica pudesse servir de inspiração ao bolsonarismo seria prova suprema de má-fé não fosse mais uma evidência de ignorância. Pegaram a frase no Google. Não tem a mais "p..." ideia de quem foi Tocqueville.

Bolsonaro e sua tropa são perigosos, sim, e merecem combate. Mas creiam: a sua ignorância é ainda mais temerária do que seu engajamento ideológico. Isso em nada os perdoa. O fascismo e o nazismo não triunfaram porque seduziram a extrema direita informada. A estupidez sempre foi seu melhor meio de cultura.

Por Reinaldo Azevedo

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