As más companhias não pioram o homem. Na verdade, as más companhias fazem o sujeito imaginar que pode ser melhor do que é. O sertanejo Zé Neto, por exemplo, achou que sua proximidade com a doutrina anticultural de Bolsonaro o faria melhor do que a cantora Anitta. Meteu-se numa polêmica em que o cinismo foi o mais perto que conseguiu chegar da verdade.
"Nós somos artistas que não dependemos de Lei Rouanet", disse Zé Neto durante um show na cidade mato-grossense de Sorriso. "Nosso cachê quem paga é o povo", vangloriou-se, ao lado do parceiro Cristiano. "A gente não precisa fazer tatuagem no 'toba' para mostrar se a gente está bem ou mal".
A Lei Rouanet permite que empresários apliquem em projetos culturais parte do imposto devido à Receita Federal. A insinuação de que artistas recorrem ao mecanismo para se locupletar com verbas públicas compõe o arsenal usado por Bolsonaro para torpedear o setor cultural. O "toba" foi uma alusão de Zé Neto ao ânus de Anitta, que ela disse ter ornamentado com uma tatuagem.
Inaugurou-se uma polêmica que aguçou a curiosidade alheia sobre o financiamento dos shows sertanejos. Descobriu-se que Zé Neto e seu companheiro Cristiano receberam R$ 400 mil da prefeitura da cidade de Sorriso para soltar a voz numa exposição agropecuária.
Verificou-se que o Ministério Público de Roraima abrira apuração para esclarecer a contratação de outro sertanejo, Gusttavo Lima, por R$ 800 mil. Coisa acertada com uma cidadezinha de 8,2 mil habitantes, assentada nos fundões do estado.
Súbito, o Ministério Público de Minas Gerais também levou o pé à porta do cofre de um município mineiro que se dispôs a desembolsar R$ 1,7 milhão por dois shows sertanejos —um de Gusttavo Lima, outro da dupla Bruno e Marrone. Verba obtida por meio dos royalties de minérios.
Anitta ironizou nas redes sociais: "E eu pensando que estava só fazendo uma tatuagem no tororó!"
É grande o sucesso de Anitta, inclusive no exterior. Mas jamais se imaginou que um desenho no tororó da estrela pop se transformaria num fator de utilidade pública. Ao soltar a língua sob seu imenso telhado de vidro, Zé Neto trouxe à boca do palco uma nova modalidade de sertanejo.
Admirador da antiga música caipira, o brasileiro aprendeu a gostar do sertanejo, com todas as suas variações. Havia o sertanejo raiz, o universitário, o feminejo e até o eletrônico. Sem querer, Zé Neto trouxe à luz um novo ritmo que não fará tanto sucesso: o sertanejo do erário. Ou forró ao pé de cofre.
Por Josias de Souza
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