quinta-feira, 19 de maio de 2022

Não colou


O 'grande capital', como se dizia antigamente, despediu-se há tempos de Bolsonaro, e segmentos relevantes da indústria, finanças e varejo colocaram Lula no centro dos seus cenários. Foto: Isac Nóbrega/PR

Jair Bolsonaro consolidou a posição de maior inimigo de si mesmo e suas chances de derrotar Lula estão diminuindo. As de promover um golpe também. O capitão rebelde nunca teve um plano bem acabado para qualquer coisa, limitando-se às improvisações táticas. Só deu certo em 2018, quando surfou uma onda que até hoje não entendeu.

O problema das redes sociais para qualquer agente político, e disso Bolsonaro não escapou, é supor que o “engajamento” de seguidores em temas barulhentos como ataques ao Judiciário significa apoio político decisivo para “emparedar” os juízes. Note-se que os integrantes do STF só demonstraram alguma insegurança quando os chefões do Legislativo se atrasaram em manifestar “solidariedade” aos tribunais superiores na ocasião em que Bolsonaro tentou arrastar as Forças Armadas para a irresponsável tática de contestar o sistema eleitoral.

De lá para cá a conjuntura se estabilizou contra Bolsonaro, e ela é menos volátil do que o barulho do noticiário sugere. Não há apoio político do Centrão para esse tipo de aventura – os caciques partidários não estão interessados em bagunça, e servem-se de Bolsonaro para consolidar seu inédito poder sobre o orçamento público. Tampouco nas Forças Armadas, especialmente comandantes de tropas. O STF não recuou dos instrumentos (como inquérito das fake news) que estrangularam fontes de financiamento e a ação dos apoiadores digitais do presidente, além de manter ele mesmo como alvo central.

O “grande capital”, como se dizia antigamente, despediu-se há tempos de Bolsonaro, e segmentos relevantes da indústria, finanças e varejo colocaram Lula no centro dos seus cenários (que já são de curto prazo). O presidente conseguiu a proeza de rachar os produtores de grãos e proteínas, que o acolheram com entusiasmo há quatro anos. O ponto central está nas expectativas: os agentes econômicos relevantes não sabem com certeza o que esperar de Lula, mas têm certeza de que não há muito a esperar de Bolsonaro.

Esse quadro piorou com a incapacidade de Bolsonaro de apresentar qualquer “plano” de combate à inflação e, em curtíssimo prazo, da subida dos preços de combustíveis, fatores que provocam imensa corrosão no cacife eleitoral de qualquer governo em qualquer lugar. Bolsonaro virou uma cópia de Lula dos tempos em que o ex-presidente, confrontado com as evidências de corrupção em seu mandato, repetia o mantra “eu não sabia”. O do atual presidente é “eu não sou culpado”.

Assim como aconteceu com Lula, não colou.

Por William Waack

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