terça-feira, 10 de maio de 2022

Bolsonaro é juiz de pleito que disputa? Fim da comissão! Feche a boca, sapo



O presidente Jair Bolsonaro quer ser o juiz supremo da eleição que ele próprio disputa, com a força de quem tem o governo federal nas mãos. Ainda neste domingo vimos a sua consorte — sorte? — em rede nacional, em horário nobre, num jogralzinho eleitoreiro com uma tal que deve ser a substituta de Damares Alves, aquela que tem ideias muito particulares sobre Deus e outras dimensões espirituais... Nunca tinha visto a tal mais gorda, mais magra ou com a atual compleição. Não sei quem é.

Ninguém contou a Bolsonaro que ele não pode ser julgador daquilo de que é parte? Cometido o erro de meter um representante das Forças Armadas na Comissão de Transparência Eleitoral, a ética recomendaria que não se usasse tal licença em benefício do presidente... Mas sabem como é? Bolsonaro não prosperou na vida agarrado a princípios morais, como é sabido. Ele se elegia e reelegia deputado fazendo a defesa da ditadura, de torturadores, de fuzilamento, de milícias... Quando viu que lhe abriram a brecha com a inclusão de um representante dos chamados setores castrenses na comissão, fez como o sapo quando soube da festa no Céu: "Obaaaaaa".

E temos o que temos. Quer ser o juiz máximo dos próprios interesses.

E as pessoas das Forças Armadas envolvidas nesse troço resolveram transformar o convite, sob o estímulo do seu comandante-em-chefe numa patuscada golpista. Patuscada, Tio Rei? É! Farra, zoeira, bagunça.

No dia 28, ofício do general da ativa Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ministro da Defesa, endereçado a Edson Fachin praticamente destitui o general Heber Portella da tal comissão. E lá está escrito que assuntos relativos à tal representação no grupo devem ser tratados diretamente com ele próprio, Nogueira de Oliveira.

Há dois quês de ironia imprópria no comunicado. Um deles sustenta que o ministro tentou, sem sucesso, um encontro com Edson Fachin, presidente do tribunal. Outro fornece o endereço do Ministério da Defesa, telefone e e-mail do general. É malcriação de gente armada com quem não tem arma. Ocorre que, a menos que minta a agenda do TSE, o ministro da Defesa já foi recebido por Fachin duas vezes em um único mês: nos dias 6 e 22 de abril.

Aí se tem outro ofício do ministro da Defesa, este do dia 5, solicitando que as sugestões propostas pelas Forças Armadas sejam tornadas públicas. Bem, nesta segunda, o TSE divulgou sete das, digamos, "novas propostas" feitas pelo representante das Forças Armadas. Rejeitou três de forma peremptória e afirmou que as outras quatro estão em curso.

Também nesta segunda, Nogueira de Oliveira divulgou outra nota. E aí sustenta:
"Cabe esclarecer que o General Heber continua exercendo as suas atribuições na CTE. Por fim, ressalta-se, ainda, que a participação das Forças Armadas na Comissão ocorre a convite do próprio TSE e visa a contribuir com o aperfeiçoamento da segurança e do processo eleitoral."

Convenham: a sequência já lembra uma espécie, assim, de bullying de fardados com quem não tem farda. Essa comissão tem de ser extinta. Não há caso de fraude em urna eleitoral, e todos os testes e acompanhamentos, como vinham sendo feitos, em série histórica, evidenciam a solidez e invulnerabilidade do sistema. Inclusive os deste ano.

O ministro da Defesa tem razão: o representante das Forças Armadas integra a comissão a convite. Se não lhe cabe aguentar desaforos do anfitrião — e não conta que tenham ocorrido —, cumpre também que não se comporte como dono da casa.

O que está em curso é uma aberração, que nasce de uma perspectiva evidentemente golpista de quem acha que só perderia a eleição se houvesse fraude. Estaria tão convencido da excelência do seu governo — o primeiro a depreciar o valor real do salário mínimo desde o Plano Real — que considera que só uma fraude poderia lhe retirar a vitória.

É claro que ele tem, olhando-se no espelho, noção da ruindade da própria gestão. Gente assim finge demência para ver se assusta os outros, posando, então, de louco para arrancar o que quer. Um amigo, gente boa, me diz: "Os militares agem assim porque, afinal, têm senso de disciplina, e Bolsonaro é o comandante das Forças Armadas, segundo a Constituição..."

Pois é... "Segundo a Constituição"??? A Constituição não autoriza Bolsonaro a usar as Forças Armadas para golpear as eleições. A questão é saber se os militares rasgam a carta em parceria com o golpista. Aí, o nome do autogolpe merece a designação clássica: golpe militar. Os senhores fardados acham mesmo que essa é uma boa ideia e que o desfecho seria feliz?

Convém que não olhem apenas para o próprio soldo. Vejam o que se dá, por exemplo, com o salário mínimo...

Guedes responde: "Valor real do mínimo caiu por causa da Covid e da guerra da Ucrânia..."

É mesmo? FHC enfrentou percalços decorrentes da mudança da moeda e foi colhido por crises externas em penca, e o mínimo teve ganho real de 29,3% no primeiro mandato e de 16,21% no seguinte. No acumulado, 50,9%. No governo Lula, estourou a bolha imobiliária nos EUA. Maior crise do capitalismo desde 1929: reajuste no acumulado dos oito anos: 57,83%. Até no infeliz governo Dilma houve ganho real: 12,67%. Na curta passagem de Michel Temer, a variação também foi positiva: 3,28%.

Vai cair 1,77% no governo Bolsonaro, nessa junção espetacular da sapiência militar com o liberalismo de meados do século passado de Guedes. Bolsa Família teve importância capital na redução da miséria extrema. Mas foi a política de ganho real do mínimo que ajudou, de fato, a diminuir a pobreza.

Nunca foi exatamente uma preocupação dessa turma.

E aí, senhores militares? Dispostos a botar uns tanques na rua e a dar murro na mesa? Terão de governar, depois, "os pobres de tão pretos de tão pobres".

Extinga-se essa comissão. Chega de farra golpista!

É preciso fechar a boca do sapo. Que não pode ser juiz das próprias demandas.

Por Reinaldo Azevedo

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