Boneco de Moro e cartaz em sua homenagem na primeira grande manifestação golpista, em 26 de maio de 2019. Eis aí um dos super-herois do golpismo Imagem: Luciano Freire/Futurapress/Folhapress |
A extrema direita morista — que já costeia o alambrado para um "voto crítico" em Jair Bolsonaro ou para nulo, branco ou abstenção, desde que o adversário seja Lula e que a reeleição esteja assegurada (é uma gente muito "limpinha") — lançou uma tese no mercado sujo de ideias, que está sendo comprada por "analistas neutros": o próprio Supremo seria o culpado pela escalada golpista de Bolsonaro. Como o tribunal corrigiu algumas — E APENAS ALGUMAS — ilegalidades da Lava Jato, isso teria deixado parte da população descontente, levando-a à descrença. Aí, sabem como é, insatisfeitos, valentes saem às ruas portando cartazes pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo e a intervenção das Forças Armadas, numa leitura obviamente porca do Artigo 142 da Constituição.
A tese, de impressionante delinquência política porque justificadora da pregação autoritária do presidente, não resiste a um exame mínimo dos fatos. As evidências e a lógica elementar a desmentem de modo irrespondível. Esses patriotas se preparam para cerrar fileiras com o bolsonarismo caso seja preciso afastar o "perigo petista". Ora, por que não tirariam um fascistóide para dançar? Não seria a primeira vez, certo? Já o fizeram em 2018.
O INQUÉRITO 4.781
O Inquérito 4.781, o das "fake news", que é legal, foi aberto de ofício por Dias Toffoli no dia 14 de março de 2019, antes que Bolsonaro -- com quem manteve relacionamento institucional cordial -- concluísse seu terceiro mês de mandato. Atenção! Não foi a investigação que despertou a animosidade contra o STF. A corte reagiu a uma impressionante guerrilha de destruição de reputações que já estava em curso nas redes. A relação de causa e efeito, nesse episódio, é precisamente a oposta do que tenta vender a má-fé que já começa a engatinhar para lamber a sola de Bolsonaro.
Convém notar que, mal começado o mandato, ainda não havia querela nenhuma a opor o Supremo à Presidência da República. E por que se tenta fazer a inversão canalha? Ora, porque o morismo estava junto com o bolsonarismo na caçada aos ministros.
ATOS GOLPISTAS
Convém lembrar que não foi Bolsonaro a iniciar a guerra nas redes contra o Supremo, mas a Lava Jato, especialmente os procuradores de Curitiba, com Deltan Dallagnol à frente. Basta recuperar o histórico de tuítes da turma: a cada julgamento na Corte, formavam-se verdadeiras correntes de ódio contra o tribunal -- que, então, só teria uma coisa supostamente certa a fazer: votar de acordo com a vontade dos "juízes" da força-tarefa. E, como o próprio admitiu em entrevista, o chefe da banda era Moro.
Sabem o que é detestável? Mais de uma vez, essas correntes funcionaram e chegaram a intimidar ministros.
O primeiro ato de rua realmente relevante, com apoio explícito do governo, ocorreu no dia 26 de maio de 2019, antes que Bolsonaro concluísse o quinto mês de mandato. Sua relação com Moro vivia ainda a fase "só love, só love", e o então ministro da Justiça, ex-juiz e futuro funcionário da Alvarez & Marsal, era a segunda pessoa na escala dos adoradores de golpe. Seu retrato era exibido nas manifestações como parte do "kit golpista".
Propagandistas do então ministro Moro, já preparando uma futura candidatura, só passaram a criticar com severidade os atos em favor do golpe só depois que seu ídolo deixou o governo. Nem poderia ser diferente: eram, também eles, depredadores do Supremo.
Cumpre indagar? Que "mal" — ou como queiram chamar — a corte havia feito a Bolsonaro nos primeiros meses de governo? O tribunal só julgou a ADC do trânsito em julgado, que resultou na soltura de Lula, em novembro de 2019. Cumpre notar que o tema estava pronto para ser votado desde dezembro de 2017 — e antecedia, portanto, a prisão do ex-presidente.
UMA COLUNA
Escrevi no dia 5 de abril de 2019 uma coluna na Folha intitulada: "Não vai ter golpe, vai ter luta!" Vejam que coisa! Mal o governo havia começado, e já me obrigava a escrever sobre esse assunto. Transcrevo um trecho:
"Conversas sobre golpes só prosperam quando aqueles que deveriam proteger as instituições, e vale também para a imprensa, se dispõem a pegar pedras para depredá-las. Aí qualquer figurante de quinta categoria, alçado a ator principal, se sente estimulado a ir aos bivaques para bulir com granadeiros. Em contexto novo, é preciso, sim, que nos demos conta de que "o preço da liberdade é a eterna vigilância".
Como fica evidente, parecia-me, e estava certo, que a imprensa não dava o devido peso à militância anti-institucional de Bolsonaro. Toffoli apanhou como cão sarnento com o seu decreto — que, insista-se, é absolutamente legal.
OUTRA COLUNA
No dia 14 de dezembro de 2019, a convite do jornal, escrevi um texto para um caderno especial. Título: "Por uma frente ampla antiódio e pró-abraços". No subtítulo: "Não cometamos o erro de tolerar a política do ódio para supostamente proteger as migalhas do crescimento". Lula não havia ainda recuperado seus direitos políticos. É evidente que eu não estava tratando de eleições. O mandatário não havia concluído ainda nem seu primeiro ano de mandato. Disse eu:
"Trata-se de uma falácia a inferência de que o esquerdismo que temos é só um outro extremismo, que se combina pelo avesso com este que ora dá as cartas. (...) É fato, no entanto, que as escolhas petistas, inclusive as erradas, afastaram as tentações disruptivas de esquerda. (...) O Brasil que embrutece atrapalha o Brasil que cresce. Não cometamos o erro de tolerar a política do ódio para supostamente proteger as migalhas do crescimento. Não aceitemos o rancor que esteriliza os abraços --muito especialmente entre os que concordam em discordar. À direita, à esquerda e ao centro, um convite: a Frente Ampla dos Conservadores da Democracia Contra o Ódio. E em favor dos abraços."
Parecia-me muito claro que o "Mito" não iria parar. E me escandalizava, como me escandaliza ainda hoje — e jamais deixará de... —, que se buscasse normalizar seu discurso, como se ele encarnasse uma das opiniões aceitáveis na democracia. Mais: tratar o petismo como o "oposto combinado" do bolsonarismo, como faziam e fazem alguns por aí, é de uma desonestidade intelectual assombrosa. A sugestão de que ninguém presta porque um é golpista, e outro, crítico do teto de gastos avilta a democracia.
POR QUE BOLSONARO É GOLPISTA?
Bolsonaro é golpista porque é de sua natureza. Porque a jaqueira produz jaca. Seus adversários ou inimigos não são os responsáveis por sua insanidade.
"A culpa do STF", reitero, é conversa mole típica de quem já dá os primeiros passos para, se necessário, juntar-se ao "capitão" se for o preço a pagar para impedir a eleição de Lula. O sonho dourado desses corajosos é que Bolsonaro se torne o favorito porque, assim, podem pregar branco, nulo ou abstenção sabendo que o país estaria nas mãos seguras de um... golpista.
Prestam ainda menos do que o ogro que fingem combater.
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