Reunião de Jair Bolsonaro com os comandantes das Forças Armadas e outros participantes, no último dia 3 - @DefesaGovBr no Twitter |
O relator especial para a Independência de Juízes e Advogados da ONU, Diego Garcia, recebeu na noite de terça-feira (17) um documento em que 85 professores e juristas brasileiros alertam para "uma campanha sem precedentes de desconfiança e ameaças" contra cortes superiores no país.
O texto afirma que a independência judicial no Brasil enfrenta desafios não vistos desde a redemocratização pós-ditadura militar (1964-1985). Diz, ainda, que as eleições deste ano e a continuidade democrática estão ameaçadas diante dos ataques promovidos pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados.
O presidente Jair Bolsonaro deixa o Ministério da Defesa após evento, em Brasília - Pedro Ladeira - 22.jul.2021/Folhapress |
O ofício foi elaborado pelo Observatório para Monitoramento dos Riscos Eleitorais no Brasil (Demos), integrado por pesquisadores do direito e da ciência política como Emílio Peluso Neder Meyer, Clara Iglesias Keller, Estefânia Maria de Queiroz Barboza e Diego Werneck Arguelhes.
"Bolsonaro tem investido fortemente para deslegitimar as eleições. Ele tem afirmado repetidamente —sem nunca fornecer nenhuma evidência— que o sistema de votação eletrônica que o país adotou nos anos 1990 está aberto à manipulação deliberada", afirmam os pesquisadores.
"Aqueles que acreditam que a democracia no Brasil está suficientemente garantida e protegida e que as instituições estão perfeitamente funcionando estão enganados. Não é exatamente fácil ver quando a linha entre democracia e ditadura foi atravessada, e o Brasil pode estar cruzando essa linha nos próximos meses", seguem.
O documento pede à ONU que realize uma visita oficial ao Brasil para mapear os ataques à independência judicial e ouvir magistrados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do STF (Supremo Tribunal Federal), além de membros da sociedade civil. E solicita que sejam cobradas explicações do governo brasileiro.
Assinam o ofício nomes como Fernando Limongi, Gisele Cittadino, Christian Lynch, Conrado Hübner Mendes, Fábio Shecaira, Katya Kozicki, Lenio Luiz Strek, Marcos Nobre, Natalia Pires de Vasconcelos, Rachel Herdy, Rafael Mafei, Thomas Bustamante e Vera Karam de Chueiri.
A iniciativa ainda é apoiada por 28 entidades e grupos de pesquisa, como o Washington Brazil Office, o Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (Laut) e o Laboratório de Estudos de Segurança e Defesa da UFRJ.
Os signatários também relatam à ONU que o governo Jair Bolsonaro incentiva ataques públicos a instituições e violência contra adversários políticos, além de minar a resolução pacífica de conflitos eleitorais.
Eles lembram que as eleições brasileiras são fiscalizadas pela Justiça Eleitoral desde a década de 1930, e que, entre 2018 e 2021, o país caiu cinco pontos no índice geral da Freedom House, organização de defesa de direitos humanos que mede a liberdade política em territórios do mundo inteiro.
"Bolsonaro testa os limites das instituições, incentivando seus apoiadores a agir contra os tribunais e seus juízes, erodindo o apoio às instituições de uma forma que fortalece sua própria agenda iliberal e autoritária", alertam.
"Bolsonaro tem apoiado a desinformação e as falsas acusações de fraudes nas eleições de 2018, mesmo que ele próprio tenha sido o vencedor", destacam.
O documento relembra episódios como os atos golpistas do 7 de Setembro, que ocorreram no ano passado e contaram com ampla participação do presidente, e o indulto concedido por ele ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) após condenação pelo Supremo.
O mais recente impasse entre o TSE e as Forças Armadas em torno do pleito de 2022 também é relatado à ONU.
"Fomentar uma crise institucional permanente tem sido a estratégia de Bolsonaro para evitar checagens judiciais e eleitorais sobre o seu poder, gerando desconfiança e prejudicando a legitimidade institucional de uma forma que pode perdurar mesmo após as eleições de 2022", diz o ofício.
"Mesmo que o atual governo seja derrotado nas urnas, é preciso tomar medidas para combater os ataques ao Judiciário, pois as narrativas e a influência do governo certamente irão superar a eleição", afirma ainda.
Por Mônica Bergamo na Folha
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