quinta-feira, 26 de maio de 2022

Celebração da barbárie policial dá voto no Brasil



A política de segurança do "tiro na cabecinha" produziu no Rio de Janeiro, no intervalo de um ano, duas das operações policiais mais letais da história do estado. Foram 53 cadáveres no total —28 em maio de 2021, na favela do Jacarezinho; 25 agora, na Vila Cruzeiro. Incluindo-se na conta mortandades mais modestas, chega-se a um total de 39 chacinas, com 181 mortos.

Bolsonaro foi às redes sociais para parabenizar os "guerreiros" da polícia que passaram 25 pessoas nas armas, entre elas uma cabeleireira de 41 anos, que foi achada por uma bala perdida dentro de casa. O presidente criticou a imprensa por promover uma suposta "inversão de valores" que "isenta o bandido" de responsabilidade pelos seus "crimes cruéis".

É estranha a lógica do governante que invoca a crueldade da bandidagem para justificar a selvageria do estado. É como se o presidente declarasse, com outras palavras, que se horroriza tanto com a perversidade que deseja multiplicar a barbárie, transformando a prática da bandidagem em política de estado.

Quando o sangue e o discurso escorrem juntos, no meio de uma campanha eleitoral, a incivilidade ganha ares de plataforma de governo. Bolsonaro ocupa a segunda colocação nas pesquisas presidenciais. No Rio, o governador Claudio Castro, herdeiro do cassado Wilson Witzel, mentor da doutrina da "cabecinha", disputa o topo das sondagens eleitorais. Ou seja: a incivilidade rende votos no Brasil.

O cidadão que autoriza a polícia a executar criminosos e avaliza o estado que assassina os assassinos se torna um cúmplice. O eleitor e contribuinte se autoconverte em mandante dos crimes. Se a selvageria estatal tivesse o efeito de dissuadir os bandidos, a frieza da vingança poderia ser apresentada como um fim prático para justificar os meios desumanos. Mas a reiteração das chacinas, o crescimento do monturo de cadáveres e a morte de inocentes —civis e fardados— sinalizam que o plano da reciprocidade animalesca não está funcionando.

O estímulo para que policiais se comportem como bandidos transforma a segurança pública num torneio de facínoras. Isso conduz à Idade Média, não ao Renascimento.

Por Josias de Souza

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