Resumindo, a passagem de Elon Musk pelo Brasil e os paparicos de Bolsonaro no bilionário produziram uma hashtag —#BolsoMusk— e duas fake news: a conexão de escolas rurais à internet e o monitoramento da floresta amazônica por meio dos satélites da Starlink, empresa do bilionário sul-africano.
Há muita saliva e pouca formalização. Musk postou no Twitter que estava "muito empolgado" com a perspectiva de levar internet a 19 mil escolas em áreas remotas e monitorar o meio ambiente na Amazônia. Deixou o país sem assinar um mísero contrato. Nem poderia.
Primeiro porque seria necessário realizar licitação. Segundo porque a lei proíbe o governo de contratar a partir de maio do ano eleitoral despesas cujo pagamento será transferido para a gestão futura. Em terceiro lugar, não faria nexo contratar empresa de Elon Musk para fornecer serviços de que o governo já dispõe.
Esboçado sob Dilma Rousseff e colocado em pé na gestão de Michel Temer, em 2018, o programa Gesac, "Governo Eletrônico - Serviço de Atendimento ao Cidadão", se dispõe a levar conexão gratuita à internet em banda larga, por via terrestre e satélite, a localidades remotas do país.
A coisa nasceu de uma parceria da Telebras com a empresa americana Viasat, concorrente do grupo de Musk. Sob Bolsonaro, o programa passou a se chamar Wi-Fi Brasil. Na página oficial do Ministério das Comunicações na internet está escrito que o Wi-Fi Brasil já instalou em áreas remotas do país15 mil pontos de internet, dos quais 10 mil foram implantados em escolas.
No encontro que recepcionou Elon Musk num hotel chique da cidade paulista de Porto Feliz, Bolsonaro declarou que os satélites do bilionário vão mostrar que a Amazônia "é preservada" pelo seu governo. Nessa versão, o mais novo amigo de infância de Bolsonaro ajudaria a demonstrar ao mundo "quanto malefício causam aqueles que difundem mentiras" sobre a devastação da Amazônia. Lorota.
O problema ambiental do Brasil não é de escassez de monitoramento, mas de falta de disposição para deter a devastação da floresta. O Inpe, Instituto Nacional de Pesquisa Espacial, já fornece dados domésticos obtidos via satélite sobre os recordes de desmatamento colecionados sob Bolsonaro. O sistema passa por aperfeiçoamentos.
Num instante em que o Inpe é asfixiado com o pior orçamento de sua história, seria um desperdício criminoso gastar dinheiro público para fabricar a realidade ambiental paralela em que Bolsonaro decidiu viver. O negacionismo florestal do presidente esbarra, de resto, nas informações sobre a devastação da Amazônia disponíveis nos melhores institutos de vigilância espacial do mundo.
No afã de posar ao lado de Elon Musk, candidato a dono do Twitter, Bolsonaro deixou-se enfeitiçar pelo feitiço do ministro Fábio Faria (Comunicações), autor do convite para que o bilionário visitasse o Brasil. Sucesso nas redes dos filhos e dos devotos do presidente, a hashtag "#BolsoMusk" tende a ser diluída em meio à exposição das fake news. Tancredo Neves já ensinou que a esperteza, quando é muita, engole o dono.
Por Josias de Souza
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