O ex-governador de São Paulo João Doria - Bruno Santos - 31.mar.22/Folhapress |
A direção do PSDB está a um passo de abrir mão da candidatura de João Doria à Presidência da República. Exceção feita ao próprio Doria e a auxiliares próximos, poucos trabalharam por ela. Isso tem história, mas é escolha ou burra ou oportunista. Talvez falte ler outro João.
Doria vem de duas disputas vitoriosas que fizeram vítimas internas. Mas quem não as fez na política? O próprio PSDB, originalmente, é uma costela do PMDB fraturado por Orestes Quércia. E deu certo. O partido-mãe nunca conquistou a Presidência em eleições diretas. Já a dissidência chegou lá duas vezes e disputou o segundo turno em outras quatro. O ruim pode ficar bom quando se tem rumo. Ou fica pior.
O PSDB como parte desse troço dito "terceira via" — que apelidei "nem-nem" como pilhéria, tomando a expressão emprestada a Roland Barthes —nunca entendeu o conflito. Antes, erro de análise; agora, cálculo. Entre o campo democrático e o processo de fascistização do país, tucanos que apostam em coligações sabidamente inviáveis eleitoralmente escolhem ser periferia do bolsonarismo — e, pois, da fascistização.
Consta que pesquisa interna recomenda a Simone Tebet não criticar nem Lula nem Bolsonaro. É a variante fofa do "nem-nem". É como dizer que, para a democracia, são equivalentes. É o nada! Essa gente, João, esquece que "o demônio não precisa de existir para haver".
Alguma história: o PSDB abrigava quadros notáveis, mais progressistas, na média, do que parte considerável do seu eleitorado. Penso no FHC que criou o Ministério da Defesa com um civil no cargo. Ou no José Serra das campanhas contra a Aids, a desafiar potentados do moralismo estúpido ou a arrostar gigantes da indústria farmacêutica... Uma parte dos votos que garantiram tais avanços civilizatórios achava a dupla "meio comunista". Mas gostava do PT ainda menos...
Houve um tempo em que o antipetismo rendia bons frutos a despeito das intenções. A fórmula se esgotou por razões que não cabem aqui. O PT chegou ao poder, e o PSDB continuou a atrair a direita ideológica e a troglodita. O próprio Lula ajudou a criar esse "outro lado". Atraiu o centrão, agora bolsonarista, e o PMDB.
PSDB e um desmilinguido PFL (DEM) restaram na oposição. E continuaram a ser "a" alternativa: cada vez menos social-democratas ou liberais e cada vez mais antipetistas. Nesse antipetismo, cabia tudo. Havia muito fascistoide enrustido. Clichê inescapável: os ovos estavam lá, à espera da temperatura certa para virar serpentes.
O leitor se acalme que não vou contar a história a partir do nascimento das musas. Apenas evidencio que, depois da redemocratização, as clivagens se fizeram tendo o PT como divisor. A alternativa social-democrata que o PSDB representava já era memória pálida em 2014. A Lava Jato tragou petistas e tucanos em sua voragem de ilegalismo e delinquência. E nasceram as serpentes. Os petistas sobreviveram.
Volto a Doria. Ele é, sim, fruto de um PSDB social-democrata que já não havia mais. Sua campanha, em 2018, ombreou com o bolsonarismo em reacionarismo e discurso truculento. Avaliou a relação "custo-oportunidade" e se elegeu. Ainda assim, fez um excelente governo, e o país lhe deve a vacinação em massa. Nos feitos, a base para campanha eleitoral era formidável.
Ocorre que o PSDB escolheu não travar a luta política —aquela a que se dedicou o PT para não sucumbir. Houve momentos em que tucanos se fizeram fiéis servidores de Bolsonaro no Congresso. É um desastre.
O partido ignora outro João, o Guimarães Rosa. O Riobaldo, de "Grande Sertão: Veredas", resumiu: "Deus existe mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa de existir para haver —a gente sabendo que ele não existe, aí é que ele toma conta de tudo. O inferno é um sem-fim que nem não se pode ver. Mas a gente quer Céu é porque quer um fim: mas um fim com depois dele a gente tudo vendo."
Consta que a tal pesquisa destinada a tirar Doria da disputa teria constatado que a maioria dos brasileiros é contra a tal "polarização" (palavra estúpida!) Lula-Bolsonaro. É? Vai ver quer o "sem-fim" do inferno.
O eleitor quer um Céu, mesmo quando erra, porque quer um fim.
Por Reinaldo Azevedo
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