Na minha coluna de hoje na Folha, afirmo que a democracia brasileira está sob risco. E não há mais razão para duvidar disso. Chega de fazer o jogo dos contentes. Se, antes, havia uma razoável segurança de que os militares da ativa não se meteriam em aventura, essa garantia tem diminuído dia a dia.
É muito impressionante o movimento que se operou. O TSE franqueou às Forças Armadas um lugar na Comissão de Transparência Eleitoral. Com uma certa ingenuidade civil, achou que isso poderia tranquilizar setores fardados eventualmente recalcitrantes. Sempre apontei o erro de boa-fé.
O representante das Armas houve por bem se assenhorear do processo e passou a propor o teste do impossível. Os esclarecimentos do tribunal não contentam porque, reitero, inexiste resposta certa para pergunta errada. Agora, o ministro da Defesa pede que as questões sejam tornadas públicas, abrindo-se ao mercado do opinionismo desenfreado, como se tivéssemos, de fato, um sistema inseguro. Nunca houve um caso confirmado de fraude.
Na escalada golpista, que só faz piorar, Bolsonaro apresentou em sua "live", nesta quinta, a proposta esdrúxula de submeter a apuração do TSE ao controle externo de uma empresa privada contratada por seu partido. Qual? Ele não disse. Imaginem vocês: um dos interessados no resultado da eleição paga uma empresa para fazer o monitoramento da apuração, seguindo critérios desconhecidos. É uma aberração. Além de obviamente ilegal.
E tudo é assim por quê? Porque, por enquanto ao menos, apontam todas as pesquisas, o presidente perderia a disputa. E não para um qualquer. O vitorioso seria Luiz Inácio Lula da Silva. Na "live", Bolsonaro nem disfarçou. Ironizou que a tal empresa poderia anunciar o triunfo do petista, como dizem as pesquisas — sugerindo, pelo tom, que os levantamentos são mentirosos. Ocorre que ele sabe que mentirosos não são porque também o Palácio dispõe de números que aponta que, se a eleição fosse hoje, o petista se sagraria vitorioso.
William Burns, chefão da CIA, esteve no Brasil em julho do ano passado e deixou claro que os EUA não contam com a possibilidade de Bolsonaro desrespeitar o resultado das urnas. O presidente negou o conteúdo da conversa, que foi, na prática, confirmado pelo governo americano.
Washington pode garantir que Bolsonaro não dará um autogolpe ou que as Forças Armadas não impedirão a posse do eleito — no caso de Lula vencer a parada? A resposta é negativa. Mas a mensagem, reiterada no mês seguinte, em agosto de 2021, por outro emissário de Joe Biden dá conta da barafunda em que se meteria o país também no cenário externo. Bem, por aqui, mal dá para imaginar o que sobreviria. Como é evidente, a fascistada está doida para acertar as contas ou com aqueles que considera seus inimigos ideológicos ou com algum vizinho incômodo.
É preciso disparar alertas para dentro e para fora. O mundo democrático tem de saber que Bolsonaro está organizando um autogolpe e que tem recebido suporte de setores das Forças Armadas, que resolveram apelar a uma linguajar técnico para justificar uma quartelada. "Mas tudo isso é ódio que os fardados têm a Lula?" Não é pequeno, ainda que escandalosamente injustificado e injustificável. Depois da redemocratização, foi o presidente que mais investiu no aparelhamento da Defesa.
E se as pesquisas passassem a apontar a vitória de Bolsonaro? Bem, aí os golpistas se acalmariam porque, então, contariam com o endosso das urnas para... dar o golpe na democracia! Não se enganem: é o aparelho do autoritarismo que está em construção. E, num eventual segundo mandato, o "capitão" anseia, por exemplo, tratorar o Judiciário.
PESQUISA
Por enquanto, o cenário eleitoral não é o mais promissor para o golpista -- e só por isso, por óbvio, ele planeja o golpe. Pesquisa Ipespe divulgada nesta sexta evidencia que tudo aquilo que certa imprensa tachou de "crise" na campanha de Lula não mudou o ânimo do eleitorado. Os dados foram colhidos entre os dias 2 e 4. Na intenção espontânea de voto, o petista aparece com 39%, contra 29% de Bolsonaro. Há duas semanas, 38% e 28%, respectivamente.
Na pesquisa estimulada, 44% a 31% para o petista. No levantamento passado, 45% a 31%. Em agosto do ano passado, para notarem a constância, 40% a 24%. Mas aí Moro ainda figurava como candidato, com 9% das intenções de voto. No segundo turno, o ex-presidente bateria o atual por 54% a 34%, mesmos números do levantamento passado. Naquele agosto, 51% a 32%.
Bolsonaro é hoje um quadro da extrema direita articulada mundo afora e tem alma golpista. Associa-se aqui à péssima tradição da tutela que os militares pretendem ter sobre o processo político. A propósito: a um dos seus, o general Eduardo Pazuello, foi dada a chance de provar a excelência do modo militar de fazer coisas próprias a civis. O desastre se mede em uma fabulosa montanha de mortos.
Eis aí... Bolsonaro elegeu-se presidente da República, com votação então consagradora, segundo as regras do jogo que ele agora quer sabotar porque o regime de um "um indivíduo, um voto" pode apeá-lo do poder. Está minando as instituições desde o dia 1ª de janeiro de 2019.
É preciso pôr a boca no trombone.
Por Reinaldo Azevedo
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