Ministro Luiz Felipe Salomão, corregedor do TSE: abertura de inquérito é correta e oportuna. Não restou alternativa Imagem: Roberto Jayme/TSE |
O Tribunal Superior Eleitoral tomou uma medida legal, oportuna e necessária ao abrir, de ofício, inquérito para apurar "fatos que possam configurar abuso do poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação social, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea, relativamente aos ataques contra o sistema eletrônico de votação e à legitimidade das Eleições 2022."
Já não era sem tempo. A escalada de ataques às instituições a que se dedicam o presidente Jair Bolsonaro e algumas autoridades que lhe demonstram subserviência não podem mais passar ao largo da lei e de eventuais sanções em se constatando a prática de crimes.
Destaque-se desde já: não há nada de errado, do ponto de vista legal, ainda que possa ser estúpido, em propor PEC reinstaurando o voto impresso. Pode-se até mesmo querer o fim do voto eletrônico, desde que o método alternativo sugerido não implique risco de quebra de sigilo do voto ou abra caminho para fraude.
O que não é aceitável é atrelar a realização de eleições à aprovação do voto impresso — obviamente, trata-se de um crime — e orquestrar uma campanha de difamação e calúnia contra o próprio tribunal e seus ministros. Notem: Bolsonaro não se dedica apenas à acusação comprovadamente falsa de que as urnas são vulneráveis e de que houve fraude em 2014 e 2018. Ele vai muito além.
Acusa a existência de um complô envolvendo o TSE e o STF, numa parceria, imaginem vocês, com Luiz Inácio Lula da Silva, para eleger o petista. Ele tem tantas evidências de que isso aconteceu como tem das fraudes. Ou seja: nenhuma!
Sem provas; sem nem mesmo indícios que possam ensejar uma investigação; sem qualquer sombra de suspeita, mínima que seja, a pairar sobre a lisura das votações eletrônicas, o contínuo ataque ao TSE, a seus ministros e ao próprio sistema eleitoral viram mera agressão industriada às instituições. Assim, é preciso investigar quem a promove e quem a financia.
Insista-se: uma coisa é a PEC em si; outra, muito distinta, é o ataque às instituições.
Assim, acerta o tribunal ao abrir o inquérito de ofício, ainda que se possa lamentar, mais uma vez, que a iniciativa não parta do Ministério Público Eleitoral — no caso, do procurador-geral eleitoral, que também é o senhor Augusto Aras, procurador-geral da República.
Aplica-se subsidiariamente, como lembra nota do próprio tribunal, ao TSE o Regimento Interno do Supremo, que permite, de ofício, a abertura de inquérito — e há um lá aberto, com desdobramentos também nesse caso. Já escrevo a respeito. O próprio Supremo já votou recurso contra tal investigação e declarou, por unanimidade a sua legalidade e higidez.
Anote-se: o TSE deu ao presidente da República um prazo para que apresentasse as provas que dizia ter. O que se viu foi um desfilar patético de hipóteses sem sentido e uma penca de agressões à ordem instituída, recheada de ameaças, prática a que o presidente se dedica cotidianamente. Outros resolvem seguir no seu rastro.
Não restou alternativa a Luiz Felipe Salomão, Corregedor-geral do TSE, a não ser a abertura de inquérito de ofício, proposta aprovada pelos outros seis ministros. Certamente haverá recurso ao STF contra o procedimento — vamos ver de quem partirá —, e, por óbvio, caberá ao STF endossar o procedimento. Só não se pode apostar, desta feita, que será por unanimidade.
Segue a íntegra da nota do TSE. Volto para concluir:
O CORREGEDOR-GERAL DA JUSTIÇA ELEITORAL, no uso de suas atribuições legais,
Considerando que, nos termos do art. 94 do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral, em casos omissos aplica-se de forma subsidiária o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal,
Considerando que, nos termos do art. 45 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, há previsão de instauração de inquéritos de natureza administrativa,
Considerando que as atribuições do Corregedor-Geral Eleitoral são fixadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (art. 17, § 1º, do Código Eleitoral),
Considerando que incumbe ao Corregedor-Geral velar pela fiel execução das leis, tomar as providências cabíveis para sanar ou evitar abusos e irregularidades, e, ainda, requisitar a qualquer autoridade civil ou militar a colaboração necessária ao bom desempenho de sua missão (art. 2º, V, VI e XI, da Res.-TSE 7.651/65),
Considerando que a preservação do Estado Democrático de Direito e a realização de eleições transparentes, justas e equânimes demandam pronta apuração e reprimenda de fatos que possam caracterizar abuso do poder econômico, corrupção ou fraude (art. 14, § 10, da CF/88), abuso do poder político ou uso indevido dos meios de comunicação social (art. 22 da LC 64/90), uso da máquina administrativa (art. 73 da Lei 9.504/97) e, ainda, propaganda antecipada (art. 36 da Lei 9.504/97), Portaria CGE nº /2021 fl. 2
Considerando os relatos e declarações, sem comprovação, de fraudes no sistema eletrônico de votação, com potenciais ataques à democracia e à legitimidade das eleições,
Considerando a anterior instauração de procedimento administrativo visando conhecer e viabilizar a análise de elementos concretos acerca da segurança do processo eleitoral das Eleições 2018 e 2020, com vistas à preparação das Eleições 2022, RESOLVE: Art. 1º
Converte-se o procedimento SEI 2021.00.000005444-5 em inquérito administrativo, ampliando-se seu escopo para apurar fatos que possam configurar abuso do poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação social, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea, relativamente aos ataques contra o sistema eletrônico de votação e à legitimidade das Eleições 2022.
Art. 2º O inquérito administrativo compreenderá ampla dilação probatória, promovendo-se medidas cautelares para colheita de provas, com oitivas de pessoas e autoridades, juntada de documentos, realização de perícias e outras providências que se fizerem necessárias para a adequada elucidação dos fatos.
Art. 3º O inquérito administrativo tramitará em caráter sigiloso, ressalvando-se os elementos de prova que, já documentados, digam respeito ao exercício do direito de defesa. Cumpra-se. Brasília, 2 de agosto de 2021.
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO Corregedor-Geral da Justiça Eleitoral.
CONCLUO
Inquérito é inquérito. O tribunal poderá recorrer a todos os instrumentos permitidos numa investigação, incluindo mandado de busca e apreensão e quebra de sigilos.
Agora, o que se faz é investigar cometimento de crime. E de crime de extrema gravidade.
Por Reinaldo Azevedo
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