sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Esquerdas e 7 de Setembro. Não deem sangue a Bolsonaro, e o vampiro morrerá



Não acho prudente nem necessário que os manifestantes antibolsonaristas também saiam às ruas no dia 7 de Setembro. Um e outro lado podem se encontrar nos vagões de metrô, nos ônibus, nas praças. Como os seguidores da seita acham que algo de formidável e extraordinário vai acontecer na data — será a Parúsia, traduzida na volta de Jair Messias? —, tenho cá as minhas desconfianças sobre a sanidade mental e moral de parcela considerável dos fanáticos.

Não será uma disputa de ocupação do espaço público — quem fez a maior manifestação? — que vai definir os destinos do país. Até porque o bolsonarismo é hoje claramente minoritário, mas com possibilidade de botar mais gente na rua. Ao menos naquele que imaginam ser o "dia da virada".

Assim, faz sentido que se convidem os oposicionistas e favoráveis ao impeachment do presidente a que marquem um novo dia para o seu protesto. Agora, o que não faz sentido é o governador João Doria, depois de falar com a área de segurança, simplesmente proibir os protestos daqueles que se opõem a Bolsonaro.

Ainda que o argumento da (in)segurança pública seja relevante e que se tema que a Polícia Militar não possa oferecer aos manifestantes das duas correntes de opinião a proteção adequada, é claro que essa era uma questão que deveria ter sido negociada com os que organizam o protesto.

Que se faça a pergunta certa para encontrar a resposta certa, com a medida adequada. O que se quer? Evitar o confronto. Como se evita? Não havendo manifestações simultâneas, ainda que em pontos relativamente distantes da capital. Reitero: o sistema de transporte é integrado e será inevitável haver o encontro de grupos rivais.

JUSTIÇA
Como a proibição está decidida, e na hipótese de governador e líderes do ato não conversarem antes, resta àqueles que pretendem ir às ruas contra o presidente recorrer à Justiça. Se a decisão for tornada sem efeito, ainda assim é possível o caminho da temperança: POSSO, MAS NÃO DEVO! Como Paulo, o Apóstolo. Caso a Justiça mantenha a proibição, parece-me que a única coisa que faz sentido, no contexto, é acatar a decisão. Afinal, quem está armando a patuscada para atropelar os tribunais são os fascistoides, certo?

O QUE QUER BOLSONARO?
É muito importante saber o que quer Bolsonaro. E, convenham, ele não faz questão nenhuma de esconder. Ele quer golpe. Desde o primeiro dia de governo, anseia pela virada de mesa. Aliás, isso era vocalizado já na campanha eleitoral, certo? Lembram-se do "soldado e do cabo, sem nem um jipe", de Eduardo Bolsonaro, que bastariam para fechar o Supremo?

Há caminhos, no entanto, para isso. A pura e simples quartelada, como se sabe, é inviável. Ainda que haja, sim, golpistas nas Forças Armadas, não formam o grupo dominante. Li o discurso do comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, no Dia do Soldado, como uma declaração antigolpista. Publiquei a íntegra aqui e analisei. Ele ter lembrado que o presidente, que estava a seu lado, é o comandante máximo das Forças apenas repete a Constituição. Mas destacou que é esta que rege os militares.

É muito pouco provável — na verdade, acho improvável — que Bolsonaro consiga mover tropas sob a alegação, como faz hoje, de que o Supremo cria empecilhos a seu governo. Há, sim, parte considerável do alto oficialato que compartilha dessa leitura errada, mas isso não quer dizer que essa gente tope um golpe. Nota à margem: senhores generais, tentem listar em que o tribunal atrapalha o presidente... É mentira. Não fosse o Supremo, o governo não teria tido um "Orçamento de guerra" para enfrentar os piores tempos da Covid-19. Mais: o Brasil não é uma ilha, e não estamos em 1964. A Guerra Fria acabou.

MAS SERÁ QUE É ISSO MESMO?
Mas será que Bolsonaro anseia mesmo um golpe à moda antiga, de modo que ele seja declarado o ditador do Brasil, liderando o que se chamava antigamente de "regime gorila"? Parece-me claro que não. A estratégia é esticar a corda e investir no confronto.

Vale dizer: todas as declarações do presidente e a militância de suas milícias nas redes sociais expõem ao risco dos distúrbios de rua, do enfrentamento direto entre litigantes, do quebra-pau, do pega pra capar...E, nessa hipótese, então, ele veria razões para evocar o Artigo 142 da Constituição.

O seu anseio é governar segundo um regime de exceção. E, para tanto, haver um outro lado que resolva comprar a briga é fundamental. Isso é claríssimo.

Até porque observem que a oposição parlamentar cria pouquíssimas dificuldades para o governo, não? Bolsonaro teme, sim, a oposição na exata medida em que um líder oposicionista, Lula, o desbancaria hoje da Presidência. Mas não são os partidos adversários a lhe criar dificuldades. O voto impresso não foi aprovado, como ficou evidente, com a ajuda do centrão, certo? E que se note: os enfrentamentos parlamentares são quase irrelevantes porque o governo é pouco operoso.

Sim, ele perderia para Lula em 2022, mas seus reais inimigos hoje, segundo a guerra que inventou, estão no Supremo. Essa é a bandeira que une os fanáticos. Mas, por intermédio dela, o que se quer é garantir poderes excepcionais para o presidente.

O CONFLITO É VITAL
Todas as apostas de Bolsonaro para reverter a desvantagem eleitoral estão fazendo água -- ou melhor, falta-lhes até a água. Não houvesse outros sortilégios, a inflação e o crescimento baixo no ano que vem corroem as suas esperanças. Ele precisa de uma virada. E, dentro do seu padrão mental, a rua conflagrada é uma peça fundamental. E não creio que se deva dar isso a ele.

MENSAGEM CIFRADA
Ontem, depois que Rodrigo Pacheco mandou arquivar a denúncia contra Alexandre de Moraes, seus seguidores ensandeceram e pediram golpe já. Bolsonaro, então, editou uma fala antiga sua, dando-lhe um novo sentido e postou nas redes. O conteúdo é este:

"A gente só ganha a guerra, pessoal, se tiver informações. Se o povo estiver bem-informado, tiver ciência do que está acontecendo, a gente ganha essa guerra. Alguns querem que seja imediatista. Eu sei o que tem de fazer. Dentro das quatro linhas da Constituição. Dentro das quatro linhas da Constituição. Se o povo, cada vez mais, se inteirar, se informar, cutucar seu vizinho, começar a mostrar pra ele qual o futuro do nosso Brasil, a gente ganha essa guerra. Eu sei onde está o câncer do Brasil. Eu sei onde está o câncer do Brasil. Nós temos como ganhar essa guerra. Se esse câncer aí for curado, o corpo volta à sua normalidade. Estamos entendidos? Se alguém acha que eu tenho de ser mais explícito, lamento..."

Sim, há aí todas as fantasias do líder messiânico: desde o conhecimento de uma verdade revelada — a que só ele teve acesso — até o oferecimento da salvação. Mas Bolsonaro também está dizendo que a hora ainda não chegou — outra característica do messianismo. E não será no dia 7.

Mas e para chegar? Notem que ele fala de uma "conscientização" crescente, pessoas que iriam se agregando à luta para a batalha final. Ocorre que essa batalha final, não havendo o golpe à velha maneira, precisa da agitação e do caos. E, para tanto, ele conta com a conflagração e o enfrentamento de rua. E isso ele não pode ter.

Bolsonaro chegou à conclusão de que essa é a única vereda para que não tenha de entrega a faixa a Lula.

ENCERRO
A decisão de Doria foi autoritária, ainda que não seja imprudente. E espero mesmo que se resolva a questão de outro modo. À parte essa questão, convém que as esquerdas leiam direito o jogo: Bolsonaro está perdido. E só elas podem lhe oferecer um caminho, o que sugiro que não façam.

Enquanto isso, Lula acerta e fala com o PSB, com o MDB, com quem quiser conversar...

É preciso superar esse flagelo.

Ponto.

Com inteligência.

Sem sangue.

Não deem sangue a Bolsonaro.

E o vampiro morrerá.

Por Reinaldo Azevedo

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