quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Entenda o "chega-pra-lá" dado por Pacheco e Fachin no golpismo de Bolsonaro



Bem, dizer o quê? O golpista foi malsucedido em duas outras empreitadas. Parece que só resta a esperança de luta armada no 7 de Setembro, não é mesmo? — na contramão, diga-se, do discurso legalista feito nesta quarta pelo comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.

Duas das investidas do ogro da democracia contra o estado de direito acabam de encontrar o paredão da lei. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), mandou arquivar a denúncia apresentada por Jair Bolsonaro contra Alexandre de Moraes, objetivando o impeachment do ministro. Edson Fachin, também do STF, por sua vez, mandou arquivar ADPF impetrada pela Advocacia Geral da União contra o Artigo 43 do Regimento Interno do Supremo, que permitiu a abertura, de ofício, do Inquérito 4.781. Vamos entender.

DECISÃO DO PRESIDENTE DO SENADO
Pacheco já havia deixado claro que não via razão para o impeachment de Moraes, num recado explícito de que o presidente seria malsucedido no seu intento. Bolsonaro, é provável, tinha a certeza da recusa, mas precisava alimentar a sua malta, dando combustível para o que a canalha imagina ser a tomada do poder no dia 7. Pacheco, portanto, fez bem em dar uma resposta célere.

O que alegou o presidente do Senado em mensagem curta? Recusa o pedido apresentado pelo presidente por estes motivos:
a: ausência de justa causa -- isto é: Bolsonaro não apresentou motivos jurídicos que embasem o seu pedido;
b: em atenção ao "Parecer nº 659/2021-NASSET/ADVOSF", cujo conteúdo, afirmou, acolhia integralmente.

O PARECER
E o que diz o parecer do Senado, contrário à pretensão de Bolsonaro?
1 - falta de justa causa: não há o lastro probatório mínimo nem mesmo para fazer um juízo preliminar de admissibilidade;

2 - o que o presidente apresenta como crime consiste, na verdade, em prerrogativa do ministro Moraes.

Bem, as duas razões para rejeitar o pedido se imbricam e se confundem. O parecer do Senado observa que Bolsonaro não apresenta nenhuma ação de Moraes que esteja fora do seu dever de acompanhar processos e de julgar.

A restrição à atuação do ministro diz respeito à sua condição de relator do Inquérito 4.781, aberto de ofício no dia 14 de março de 2019 pelo então presidente da Corte, Dias Toffoli.

Ocorre que tal decisão está ancorada no Artigo 43 do Regimento Interno do Senado. E, lembra o parecer, sua constitucionalidade foi referendada na Corte por 10 votos a um. Assim, não resta motivo para o presidente pedir o impeachment do ministro que não seja o inconformismo com a sua decisão — o que, por óbvio, não é causa de... impeachment!!!

Há mais: o próprio tribunal já se debruçou sobre essa questão quando julgou a ADPF 572, que arguia justamente a inconstitucionalidade do Inquérito 4.781, no qual Bolsonaro passou a ser investigado a pedido do Tribunal Superior Eleitoral. A tese da inconstitucionalidade perdeu por 10 a 1. Lembra o parecer da área jurídica do Senado, inteiramente endossado por Pacheco, que é advogado:
"A decisão do Supremo Tribunal Federal proferida nos autos da ADPF 572 tem eficácia erga omnes e efeito vinculante, de modo que não se mostra juridicamente possível concluir que os atos praticados pelo Ministro Alexandre de Moraes na condução do citado inquérito constituam infração à lei, em especial crime de responsabilidade.
Ademais, trata-se de procedimento prévio inquisitorial, supervisionado pelo órgão máximo do Poder Judiciário e com a participação da Procuradoria-Geral da República, titular da ação penal, e da Polícia Federal, cada qual no desempenho de suas competências e atribuições constitucionais e legais."

Bolsonaro reclama também de ter sido incluindo no inquérito 4.781, a pedido do TSE, e de ter se transformado num investigado, em outro procedimento, em razão da divulgação de conteúdo de inquérito da PF que tramitava em sigilo. Responde o Senado:
Quanto ao Ofício GAB-SPR n. 2868/2021 (Relato de Possível Conduta Criminosa) encaminhado pelo Presidente do Tribunal Superior Eleitoral ao Ministro Alexandre de Moraes, relator do Inquérito n. 4781 do STF, tem-se comunicação de fato aparentemente conexo aos fatos já investigados segundo o entendimento das autoridades judiciais envolvidas. Trata-se de questão processual e, portanto, de cunho nitidamente jurisdicional, que deve ser objeto de questionamento pelas vias processuais disponíveis.
O mesmo se aplica ao Ofício encaminhado pelo Tribunal Superior Eleitoral para o Supremo Tribunal Federal em 09 de agosto de 2021, em que comunica suposto crime cometido pelo Presidente da República capitulado no art. 153, §§ 1º e 2º, do Código Penal. A conexão dos fatos investigados e a distribuição por prevenção são questões processuais e regimentais que devem ser objeto de discussão na via jurisdicional adequada, com os meios e recursos cabíveis."

Ou por outra: diz o Senado a Bolsonaro que, descontente com a inclusão no Inquérito 4.781, cabem a ele os recursos processuais normais. Que recorra em vez de pedir o impeachment do ministro. Quanto à outra investigação, a de quebra de sigilo, a dita-cuja foi parar nas mãos de Moraes por prevenção — uma regra dos tribunais. Em qualquer caso, o ministro atua, como gosta de dizer o ogro, "dentro das quatro linhas".

Acabou a causa. Recusado está. Bolsonaro havia manifestado a intenção de apresentar também o pedido de impeachment de Roberto Barroso. Especula-se que possa desistir. Vamos ver: acho que depende da quantidade de ração precisar fornecer ao gado.

E, reitero, fez bem o presidente do Senado ao decidir com rapidez. Isso alimenta ou desestimula atos golpistas? Sei lá. Desde quando o golpismo precisa de motivos? Ele só precisa de pretextos.

A RESPOSTA DE FACHIN
A segunda derrota do dia de Bolsonaro tem a mesmíssima natureza, só que a questão não está personalizada na figura de um ministro. Já escrevi largamente a respeito no dia 20. Para ler o artigo, clique aqui.

A AGU, a pedido de Bolsonaro, entrou com uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) apontando a suposta inconstitucionalidade do Artigo 43, que permite ao presidente do STF abrir inquérito de ofício. Fosse bem-sucedido no seu intento, Bolsonaro deixaria a condição de investigado. Mas não foi.

O Supremo, como lembro acima, já tomou decisão no ano passado e apontou, por 10 a 1, a legalidade do procedimento. Só o ministro Marco Aurélio dissentiu. Dos 10 que disseram "sim", 9 continuam na Casa — Celso de Mello, a exemplo de Marco Aurélio, se aposentou.

Fachin nem examinou detidamente os argumentos porque indevidos. Lembrou:
"Assim, acolho o argumento suscitado na ADPF 704 de que "não cabe ADPF para rediscutir a recepção de norma pré-constitucional cuja compatibilidade com a Carta de 1988 já foi afirmada pelo Supremo Tribunal Federal, notadamente quando utilizada com o nítido intuito de desconstituir acórdão prolatado antes do seu ajuizamento (art. 12 da Lei 9.882/1999 e art. 26 da Lei 9.868/1999) e quando inexistente modificação do estado de fato ou ius novum, pertinentes e relevantes, aptos a ensejar a revisão do precedente."

Ou por outra: a AGU nem mesmo apresentou um fato novo que justificasse acionar o Supremo contra decisão recentemente tomada pelo próprio tribunal. O ministro destacou ainda que, em havendo inconformismo com a decisão, certamente não pode haver contestação por meio de uma nova ADPF. A AGU sabe disso? É claro que sim. Mas, a exemplo dos demônios, uma das especialidades de Bolsonaro e induzir as pessoas ao erro. Clique aqui para ler íntegra da decisão de Fachin,

ENCERRO
3, 2, 1 para que o golpista saia gritando por aí que há uma conspiração que agora une o Senado ao STF, além, claro!, de Luiz Inácio Lula da Silva, do globalismo, de George Soros, do comunismo internacional e dos terrabolistas...

"Ah, isso só vai botar mais gente na rua em favor do golpe!"

É mesmo?

Ok. Depois se faz uma manifestação ainda maior em favor do impeachment e contra o golpe.

O que não se pode fazer é fraudar a lei para agradar ao espírito de porco de um presidente golpista.

Por Reinaldo Azevedo

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