O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, voltou a cutucar os maus bofes de Bolsonaro. Ao final de uma semana em que o presidente ameaçou levar ao Senado o seu pedido de impeachment, Moraes dobrou a aposta. Fez isso ao autorizar a Polícia Federal a realizar batidas de busca e apreensão em 29 endereços. Entre os alvos estão dois bolsonaristas de mostruário: o cantor sertanejo Sérgio Reis e o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ).
Episódios como esse costumam deixar Bolsonaro fora de si, levando-o a expor o que tem por dentro. Um detalhe torna menos cômoda a erupção do presidente: dessa vez, Alexandre de Moraes avalizou pedido da Procuradoria-Geral da República, órgão comandado por Augusto Aras, procurador de estimação de Bolsonaro. A requisição foi assinada pela subprocuradora-geral Lindôra Araújo, a mesma que sustentou em parecer enviado ao Supremo que Bolsonaro não comete ilegalidade ao se abster de usar máscara e promover aglomerações na pandemia.
A movimentação do gabinete de Aras ocorre dias antes da votação em que o Senado deve reconduzir o procurador-geral ao comando do Ministério Público Federal por mais dois anos. Aras será sabatinado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado na terça-feira (24/8). O jogo está jogado.
Aras espera obter até os votos de senadores que o acusam de se omitir em relação a Bolsonaro. Em privado, insinuou que seria mais independente depois de sua recondução. A requisição das batidas policias desta sexta-feira foi vista no Senado como uma tentativa de Aras de sinalizar que fala sério.
Em nota, a Polícia Federal esclareceu o objetivo da visita dos seus rapazes aos endereços de Sergio Reis e Otoni de Paula: "Apurar o eventual cometimento do crime de incitar a população, através das redes sociais, a praticar atos violentos e ameaçadores contra a Democracia, o Estado de Direito e suas Instituições, bem como contra os membros dos Poderes".
Há uma semana, por razões análogas, Moraes enviou para a cadeia o ex-deputado bolsonarista Roberto Jefferson. Sem o aval da Procuradoria. No caso de Jefferson, Alexandre de Moraes fez questão informar que requisitara, em 5 de agosto, a manifestação de Aras. Fixou prazo de 24 horas.
Consumada a prisão, o ministro lastimou: "...Até a decisão que decretou a prisão preventiva de Roberto Jefferson e determinou a realização da busca e apreensão, na data de ontem, 12 de agosto de 2021, não havia qualquer manifestação da Procuradoria-Geral da República a esse respeito, embora vencido o prazo."
Aras foi contra a detenção de Jefferson. Disse ter levado sua posição aos autos "em tempo oportuno". Mas não citou as datas. Agora, como que pressentindo que Moraes não tinha como ignorar as semelhanças entre as transgressões atribuídas a Jefferson e a Sérgio Reis, o gabinete de Aras antecipou-se. Agiu por meio de Lindôra, uma subprocuradora que não dá bom dia sem combinar com Aras.
Sérgio Reis e Otoni de Paula como que intimaram Alexandre de Moraes a observar seus passos. Percorreram as redes sociais convocando atos antidemocráticos para o feriado de 7 de Setembro. Em vídeos que foram ao ar no domingo passado, o cantor sertanejo declarou que entregaria uma "intimação" ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, dando prazo de 72 horas "para aprovar o voto impresso e para tirar todos os ministros do Supremo".
Sérgio Reis soou ameaçador na fita. "Se em 30 dias eles não tirarem aqueles caras [ministros do STF], nós vamos invadir, quebrar tudo e tirar os caras na marra." Afora a perspectiva de que Alexandre de Moraes agisse por conta própria, o gabinete de Aras foi constrangido por uma representação de 29 subprocuradores-gerais da República contra Sérgio Reis.
O documento foi protocolado na terça-feira (17/08) no gabinete do coordenador criminal da Procuradoria da República no Distrito Federal, Carlos Henrique Martins Lima. Lindôra pediu providências ao Supremo no dia seguinte.
Bolsonaro ainda hesitava na noite desta quinta-feira (19/08) em cumprir a promessa de entregar ao presidente do Senado. Rodrigo Pacheco, os pedidos de impeachment de Alexandre de Moraes e do ministro Luiz Roberto Barroso, ministro do Supremo e presidente do Tribunal Superior Eleitoral. A sexta-feira é longa. O presidente ainda dispõe de tempo para demonstrar que a valentia, no seu caso, não é uma estranha qualidade que lhe falta exatamente nos momentos em que parece ser mais necessária.
Por Josias de Souza
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