sábado, 7 de agosto de 2021

O TSE e a proteção da democracia (Editorial do Estadão)




O Tribunal Superior Eleitoral tem sido um dos mais resistentes anteparos republicanos às estocadas liberticidas de Jair Bolsonaro

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem servido à Nação como um dos mais resistentes anteparos republicanos às estocadas liberticidas de Jair Bolsonaro. Em desairosa campanha pelo retrocesso ao voto impresso, o presidente da República, de longe a mais perigosa fonte de desinformação do País, adotou como tática minar a confiança dos brasileiros no sistema de voto eletrônico, que há 25 anos confere, de modo incontestável, confiabilidade e agilidade ao mais sagrado dos ritos democráticos, a realização de eleições periódicas justas e a pacífica transição de poder.

Não é de hoje que Bolsonaro envenena os brasileiros com suas mentiras a respeito da segurança da urna eletrônica e pérfidas insinuações sobre uma conspiração envolvendo autoridades do Poder Judiciário – em especial o presidente da Corte Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso – para fazê-lo derrotado na eleição de 2022 por meio de fraude. A live conduzida por Bolsonaro no dia 29 passado a pretexto de apresentar “provas” de fraudes havidas em pleitos passados parece ter sido apenas o ápice da escalada de imposturas do presidente. Como convinha, a ela correspondeu o crescimento significativo do protagonismo do TSE como instituição integrante do arranjo constitucional de salvaguarda da democracia brasileira.

O TSE reagiu à altura do gravíssimo ataque desferido pelo presidente naquela transmissão. Por unanimidade, a Corte decidiu instaurar um inquérito administrativo para apurar se Bolsonaro cometeu “abuso de poder político e econômico”, que, no limite, pode levar à sua inelegibilidade. O TSE também decidiu apresentar notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o presidente da República no âmbito do inquérito que investiga a disseminação de notícias falsas. Relator deste inquérito, o ministro Alexandre de Moraes – que presidirá o TSE em 2022 – recebeu a notitia criminis e determinou que Bolsonaro seja investigado por seus infundados ataques ao sistema eleitoral do País.

Era de esperar que houvesse reações ao acionamento dos freios institucionais pelo TSE. Bolsonaro seguiu expelindo bravatas e baixarias contra seus desafetos em entrevistas de rádio Brasil afora ou no bate-papo com aduladores no cercadinho do Palácio da Alvorada. A reação mais perigosa à Corte Eleitoral, no entanto, foi engendrada na Câmara dos Deputados. Para o bem do País, não prosperou.

O deputado Filipe Barros (PSL-PR), bolsonarista de quatro costados e relator da PEC do voto impresso na comissão especial da Casa, havia incluído de última hora em seu relatório, por fim derrotado, dispositivos para reduzir sobremaneira o poder do TSE. Tivesse sido aprovada a proposta do relator, a Corte Eleitoral perderia protagonismo nos processos de investigação de crimes e infrações eleitorais pela Polícia Federal (PF). O parlamentar afirmou ao Estadão/Broadcast que estas investigações deveriam ficar a cargo da PF, de forma “independente” da autoridade eleitoral, para dar “celeridade e isenção” ao processo. A proposta era absolutamente temerária, tendo em vista que o próprio presidente da República é investigado no STF por suspeita de interferência indevida na PF. Ademais, é a Justiça que confere isenção a um processo, não a autoridade policial.

Barros também tentou aprovar um dispositivo que permitiria que cidadãos acompanhassem a contagem manual de votos, sem explicar em que condições isto seria feito. Um despautério. Não é difícil imaginar hordas de camisas pardas leais a Bolsonaro pressionando, para dizer o mínimo, servidores dotados de múnus público no calor de uma apuração manual de votos. Quem ganharia com o tumulto?

Como se não bastasse, Barros também pretendia acabar com o princípio constitucional da anualidade, segundo o qual mudanças no processo eleitoral entram em vigor na data de sua publicação, mas não valem para a próxima eleição caso não tenham sido sancionadas com antecedência mínima de um ano.

O casuísmo das propostas, como se vê, era claro. Igualmente, a irresponsabilidade do proponente e dos defensores das medidas. Ao final, prevaleceu o bom senso e as competências do TSE foram preservadas.

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