Só falta a Jair Bolsonaro pronunciar a palavra "golpe". E, claro!, ter condições de desfechá-lo. Para tanto, precisaria contar com as Forças Armadas. Não parece provável. Ou, então, ele pensa em alguma coisa ainda mais distante das "quatro linhas". Mas o quê? Liderar um levante armado contra o Supremo?
O ministro Alexandre de Moraes, do STF, conforme era o previsto e o óbvio, o incluiu no Inquérito 4.781, aberto de ofício em março de 2019 pelo então presidente do Supremo, Dias Toffoli, para investigar uma trama criminosa de fake news para desmoralizar o Supremo.
Não custa lembrar: Bolsonaro nem havia concluído ainda o terceiro mês à frente da Presidência da República, e as milícias digitais se converteram em milícias físicas e foram para as ruas defender o fechamento do Congresso e do Supremo. Ficou evidente que uma rede criminosa se dedicava à depredação dos demais Poderes da República.
Que se note: o inquérito 4.781, aberto em 2019, é absolutamente legal. Autoriza o procedimento o Artigo 43 do Regimento Interno. Como este é subsidiário ao texto que rege também o TSE, um inquérito administrativo foi aberto nessa Casa. E o tribunal pediu a inclusão de Bolsonaro naquele outro, que é de natureza criminal.
Bolsonaro — que já disse e repetiu que ou há voto impresso ou não há eleições — não tem de gostar, é claro, de passar à condição de investigado. A ele se faculta, inclusive, criticar o procedimento. Tudo isso é do jogo democrático. Mas ele fez coisa bem distinta.
Em entrevista à rádio Jovem Pan, afirmou que pode haver o que chamou de "antídoto":
"Ainda mais um inquérito que nasce sem qualquer embasamento jurídico, não pode começar por ele [pelo Supremo Tribunal Federal]. Ele abre, apura e pune? Sem comentário. Está dentro das quatro linhas da Constituição? Não está, então o antídoto para isso também não é dentro das quatro linhas da Constituição".
Atentem para a aberração: o presidente da República aproveita uma entrevista para ameaçar com golpe de Estado.
SÓ O MP É TITULAR DE AÇÃO PENAL
Bolsonaro, por óbvio, conta uma mentira quando afirma que o Supremo Tribunal Federal "abre, apura e pune". Não é assim. O Ministério Público segue sendo o titular da ação penal. Ao fim da apuração -- esta, sim, conduzida pelo STF, com o apoio da Polícia Federal --, os autos serão remetidos à Procuradoria Geral da República no caso dos investigados com foro especial.
Se o MPF decidir que não há elementos para abrir a ação penal, esta não poderá ser aberta de ofício. Infelizmente, foi o que fez Augusto Aras no caso de outro inquérito, o 4.828, aberto a seu próprio pedido, para investigar os atos antidemocráticos. A despeito das escandalosas evidências colhidas de que uma verdadeira organização criminosa atua para pregar o golpe e para atacar as instituições, Aras afirmou não ver motivos para a abertura de ação penal. E nenhuma ação penal foi aberta.
Não, senhores! Na esfera penal, se o Ministério Público Federal — leia-se: Procuradoria Geral da República — nada fizer, como nada tem feito, nada acontece. Mais: há outros crivos até que uma eventual punição colhesse o presidente.
Ainda que Aras recomendasse a abertura de uma Ação Penal contra Bolsonaro, seria preciso que a Câmara autorizasse, com o apoio de pelos menos dois terços, o STF a examinar a questão. E a dita-cuja só seria aberta pela vontade da maioria dos ministros. Nesse caso, o presidente teria de se afastar do cargo.
Bolsonaro, pois, mente quando afirma que o Supremo "abre, apura e pune". Abrir, sim — e está ancorado na lei. Apurar também, com o auxílio da Polícia Federal. Mas "punir", aí não. Jamais teria como fazê-lo sozinho. Sem o MPF pedir a abertura de ação penal, não há ação penal. Sem a concordância de pelo menos dois terços da Câmara, a questão não pode ser nem examinada.
Bolsonaro ameaça dar um golpe porque essa é a sua natureza. Ponto final. É simplesmente mentira que, ao fim do inquérito, Moraes ou o Supremo possam lhe impor uma punição. Se vier, há o complicado trâmite que vai acima.
Ele está furioso porque os crimes que cometeu e vem cometendo estão sob investigação. Só isso.
"Sair das quatro linhas"? Vamos perguntar se Augusto Aras tem alguma noção do que isso significa.
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