Consolida-se a percepção de que os graves e urgentes problemas do País não estão sendo enfrentados. O Poder Executivo federal não apenas não trabalha para resolvê-los, como o seu chefe parece disposto a criar novos problemas e novas confusões. Há urgência por um mínimo de coordenação e de estabilidade, mas até aqui todas as tentativas de maior sintonia institucional falharam miseravelmente.
No início do mês, foi marcada uma reunião entre os chefes dos Três Poderes. Depois de sucessivos ataques do presidente Jair Bolsonaro a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da Corte cancelou a reunião. “O presidente da República tem reiterado ofensas e ataques de inverdades a integrantes desta Corte (...). Além disso, mantém a divulgação de interpretações equivocadas de decisões do plenário (do STF), bem como insiste em colocar sob suspeição a higidez do processo eleitoral brasileiro”, disse Luiz Fux.
Na semana passada, houve nova rodada de conversas. Na quarta-feira, o presidente do STF reuniu-se com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para “debater a democracia e a importância do diálogo entre os Poderes”. No mesmo dia, Fux recebeu o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, que pediu a remarcação da reunião entre os chefes dos Poderes. O presidente do Supremo disse que iria reavaliar a questão.
Apesar de todo esse esforço, não há reunião produtiva – não há diálogo possível – enquanto Jair Bolsonaro continuar fazendo ameaças, proferindo ataques e difundindo insinuações. E, até agora, não há nenhum indicativo de que o presidente da República vai mudar de atitude. Todas as evidências apontam no sentido de que Jair Bolsonaro é incapaz de se comportar dentro dos limites de um Estado Democrático de Direito, com separação e independência dos Poderes.
Jair Bolsonaro não se cansa de aumentar a tensão entre os Poderes. Há cerca de 10 dias anunciou que ingressaria no Senado com um pedido de impeachment de dois ministros do Supremo. Na sexta-feira passada, cumpriu a ameaça em relação a Alexandre de Moraes, acusando-o de crime de responsabilidade.
Em todo esse imbróglio, fica evidente que Jair Bolsonaro não está disposto a dialogar. Ele é a fonte dos ataques e o promotor das confusões. Teve inúmeras oportunidades de desanuviar as tensões, mas optou acintosamente pelo conflito.
Veja-se o caso da tramitação da PEC do Voto Impresso. Com a rejeição pela comissão especial, o assunto deveria estar encerrado. Em deferência a Jair Bolsonaro, o presidente da Câmara, Arthur Lira, levou a proposta para votação em plenário, assegurando que o presidente da República acataria o resultado. A PEC foi derrotada, mas o presidente logo em seguida repetiu os ataques ao sistema eletrônico de votação, não apenas colocando em dúvida a lisura das eleições de 2022, mas dando a entender que poderá não aceitar o resultado das urnas.
No início de julho, Jair Bolsonaro chegou a se valer de um “vamos supor” para difundir graves insinuações, em descarada e irresponsável molecagem. “Vamos supor – escreveu o presidente da República em sua conta no Twitter – uma autoridade filmada numa cena com menores (ou com pessoas do mesmo sexo ou com traficantes) e esse alguém passe a fazer chantagem ameaçando divulgar esse vídeo. Parece que isso está sendo utilizado no Brasil”, escreveu Jair Bolsonaro. O infame tuíte continua publicado.
Como se não bastasse atacar, Jair Bolsonaro ainda se coloca como vítima. Haveria uma “ditadura da toga”. Outros o atacam, então ele revida. É inteiramente falsa essa suposta equivalência de ataques.
Nenhuma autoridade se dirige a Jair Bolsonaro como ele se dirigiu a ministros do Supremo. E se ele discorda de decisões monocráticas do Supremo, basta interpor o devido recurso. Há juízo revisor. A mera discordância de decisões judiciais não autoriza atacar ou ameaçar integrantes do Judiciário, como também ninguém deve ameaçar o presidente da República por eventual divergência com uma Medida Provisória.
Não há diálogo com quem almeja o conflito ou com quem despreza os fatos. Sem respeito, não há conversa.
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