quarta-feira, 30 de junho de 2021

O superpedido de impeachment: sobram crimes, mas faltam votos. Por enquanto


Protesto na Avenida Paulista em favor do impeachment de Bolsonaro. Não faltam
crimes de responsabilidade do presidente nem povo na rua Imagem: Mídia Ninja

Um grupo suprapartidário entrega nesta quarta à Mesa da Câmara o que tem sido chamado de "superpedido de impeachment". Ainda não sei quantos crimes de responsabilidade estão lá listados. Nas minhas contas, já são 32.

Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade, infringindo a Lei 1.079:
- a cada vez que ameaçou, de forma velada ou explícita, as instituições em atos promovidos por seus seguidores ou mesmo em ambientes mais restritos, mas, ainda assim, públicos (Art. 7º);
- a cada vez que faltou com o decoro do cargo, atuando ou falando coisas incompatíveis com o cargo que ocupa (Artigo 9º);
- a cada vez que desrespeitou ou incitou o desrespeito a leis federais -- por exemplo, o uso de máscara (Art. 8º);
- a cada vez que acusou fraude no sistema eleitoral sem apresentar prova, indicando que não aceitaria um resultado adverso sem o voto impresso (Art. 7º);
- a cada vez que estimulou autoridade sob sua subordinação a agir em desacordo com a lei (Art. 7º);
- a cada vez que incitou militares e policiais militares, ainda que indiretamente, à indisciplina (Art. 7º).

Além dos crimes de responsabilidade, há uma penca de crimes comuns, sendo os mais notórios a infração dos Artigos 267 e 268 do Código Penal, a saber:
267: Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos;
268: Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa.

A incorrência no 268 é inequívoca; a no 267 pode suscitar algum debate. Será que ele próprio precisaria estar contaminado e, ainda assim, de modo deliberado, sair por aí a espalhar o vírus? Ora, também nesse caso se pode ter o dolo eventual, não? Quem promove aglomerações e incita as pessoas a não usar ou a tirar a máscara — quando não é ele próprio a fazê-lo, como aconteceu com um garoto no seu colo — corre o risco de produzir tal resultado. Acrescente-se ainda o Artigo 132: "Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente".

NOTÍCIA-CRIME
O PSOL, diga-se, entrou com uma notícia-crime contra Bolsonaro no Supremo em razão da sua atuação delinquente em eventos no Rio Grande do Norte, quando estimulou uma garota de 10 anos a tirar a máscara e resolveu, como já lembrei aqui, ele próprio, tirar a proteção do rosto de uma criança.

O partido cita o Artigo 232 do Estatuto da Criança e do adolescente, que prevê pena de seis meses a dois anos para a quem "sbmeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento", lembrando também o que dispõe o Artigo 227 da Constituição:
"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."

O relator dessa notícia-crime é o ministro Ricardo Lewadowski, que já encaminhou a questão para a manifestação da Procuradoria-Geral da República.

DE VOLTA AO IMPEACHMENT
Embora o governo esteja no meio do furacão político, ainda tem o centrão a lhe dar apoio e sustentação. Ou melhor: alugar o suporte. Isso requer pagamento regular. E o presidente está cumprindo a sua parte no trato por meio do Orçamento paralelo.

O segundo ato rumo ao impeachment, depois da apresentação da denúncia, é monocrático. Cabe ao presidente da Câmara colocá-lo ou não em trânsito. E Arthur Lira (Progressistas-AL) já afirmou que não vai fazê-lo. Ele deu a entender que acha o governo um sucesso.

Ainda que o fizesse, não haveria hoje os 342 votos para que a questão fosse levada ao Senado para abertura do processo de impeachment. "Então é tudo inútil?" A resposta é "não". É mais do que prudente — na verdade, é imperioso — manter a sociedade mobilizada contra o arbítrio e o desmando. Isso pode mover o presidente da Câmara e os outros parlamentares que hoje apoiam o governo? Só a luta política dá essa resposta.

É importante que os Poderes da República percebam que existe uma sociedade vigilante. Ademais, a imagem do presidente, por justos motivos, está em processo de derretimento. A CPI, por exemplo, evidencia que o Ministério da Saúde está mais para um circo de horrores. Além do negacionismo, que tantas vidas ceifou, há graves indícios de que a pasta está corroída também pelo "negocionismo".

O Centrão está de olho nas verbas, mas também nas curvas de opinião.

Para o impeachment, não faltam crimes — os há às pencas —, mas os votos. Por enquanto ao menos. Só não pode faltar a luta.

Por Reinaldo Azevedo

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