Onyx Lorenzoni, secretário-geral da Presidência: em transe psicótico, ele resolveu fazer de conta que não existem leis no país; só a vontade do seu chefe contaria |
Bem, bem, bem...
Vocês estão acompanhando o rolo envolvendo a compra da Covaxin. O governo entrou em parafuso. No fim da tarde de ontem, obedecendo ao comando de Jair Bolsonaro, Onix Lorenzoni, secretário-geral da Presidência, entrou numa espécie de surto policialesco-psicótico. Deve se imaginar como o oficial-em-chefe de algum Estado policial. Talvez se pense o esbirro altivo de algum ditador. Esbirro, pode ser. Mas o Brasil não é uma ditadura. E ele pode até ser preso pelo que fez. Já chego ao ponto. Antes, uma síntese da confusão.
- o Brasil aceitou pagar um ágio de 1.000% pelo imunizante em relação ao preço anunciado pelo laboratório Bharat Biotech;
- a compra da vacina, à diferença do que se fez com as demais, tem um intermediário: a empresa Precisa Medicamentos;
- a Precisa é investigada em outras operações suspeitas envolvendo venda de medicamentos a entes públicos. Se não há contra ela uma declaração oficial de inidoneidade, nenhum governo prudente aceitaria fazer negócios com uma empresa com o seu histórico. O governo Bolsonaro aceitou;
- A Precisa afirma que o preço para o Brasil está em linha com o que se cobra em outros 13 países — o que, convenham, não torna a coisa uma negociação, né?;
- Luiz Ricardo Miranda, servidor público concursado do Ministério da Saúde e um dos responsáveis pela área de importação da pasta, relatou ao Ministério Público Federal pressão atípica para apressar a importação;
- ele reparou diferença entre o contrato e o que ia numa espécie de fatura que lhe chegou às mãos;
- entre outras coisas, havia a previsão de pagamento antecipado à Precisa;
- a empresa tentou, por duas vezes, receber uma antecipação de US$ 45 milhões;
- aí entra em cena o deputado Luiz Miranda (DEM-DF), um aliado de Bolsonaro, até a semana passada ao menos, e irmão de Luiz Ricardo;
- relatou que, em companhia do irmão, foi falar pessoalmente com o presidente para relatar o que considerava indício de irregularidades;
- Miranda diz ter apresentado ao próprio presidente os indícios;
- fato: deputado e o irmão estiveram com o presidente; nas redes sociais, o parlamentar documenta tudo.
VAMOS VER
Bem, acima vai uma síntese que cheira muito mal, sobretudo porque o governo tardou para comprar as vacinas da Pfizer alegando o alto preço -- US$ 10, não US$ 15 -- e também o fato de que o laboratório não havia concluído os testes da terceira fase. A vacina indiana estava na mesma condição, era mais cara e não havia sido testada no Brasil -- à diferença do imunizante da empresa americana.
O negócio explodiu na cozinha do palácio. Miranda e o irmão vão depor na CPI amanhã. Lembro -- como fiz no caso de Osmar Terra -- que o parlamentar só depõe se quiser. Dispõe o Parágrafo 6º do Artigo 53:
§Os Deputados e Senadores não serão obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações.
O deputado, no entanto, quer falar e diz ter revelações importantes a fazer. A ver. É uma figura política com um histórico polêmico. Isso, por si, não desqualifica seu depoimento se tiver evidências a apresentar. Meu ponto aqui não é esse.
O SURTO AUTORITÁRIO
Lorenzoni anunciou -- como se pudesse ser assim -- que o presidente Jair Bolsonaro mandara a Polícia Federal investigar tanto o servidor Luiz Ricardo como o deputado Luiz Miranda. Se mandou, a PF certamente não o fez porque não lhe cabe cumprir ordens ilegais.
Miranda tem foro especial por prerrogativa de função. A PF só pode abrir investigação contra ele com autorização do Supremo. Uma pergunta ao veterinário Lorenzoni, que, como jurista, não é bom nem pra cachorro: quem é o relator do tribunal que autorizou a investigação?
Há mais: quando o ministro fez a sua pantomima, o servidor do Ministério da Saúde já havia sido convocado pela CPI. Ao anunciar o que pareceu ser uma devassa na vida da pessoa em questão, asseverando também a investigação policial, o que se viu ali foi um caso absurdo e escancarado de intimidação.
Sim, o Ministério da Justiça pode determinar de ofício que a PF abra um inquérito, mas notem que o homem nem deu as caras. Quem apareceu foi Lorenzoni, ávido por prestar um serviço.
Uma das alegações é que um dos documentos de que trata Luiz Ricardo — o que prevê o pagamento antecipado — seria falso ou adulterado. Tudo indica tratar-se apenas de uma das versões, em que o expediente polêmico estava presente, tendo sido alterado depois.
Ontem, como diria a ama de Julieta, a de Shakespeare, foi mesmo um dia aziago para Bolsonaro. Suspeita de corrupção derrubou Ricardo Salles do Meio Ambiente, que não quis esperar a quebra da senha do seu telefone tendo o ministro Alexandre de Moraes como relator do caso. Preferiu ir para a primeira instância.
E aí veio a bomba da Covaxin, com suspeitas da pesada. Tudo vai dar em nada? Não sei. Este post não está anunciando resultados.
Uma coisa eu sei: Lorenzoni anunciou que o presidente Jair Bolsonaro decidiu fazer duas coisas;
1: mandar, contra a Constituição, a Polícia Federal investigar um deputado;
2: mandar, num processo claro de intimidação, a Polícia Federal investigar uma testemunha que vai depor na CPI.
VOLTA DO CIPÓ DE AROEIRA
Bem, parece evidente que quem tem de responder pelo anúncio das ilegalidades, num primeiro momento, é Lorenzoni. Lembro trecho do Parágrafo 3º do Artigo 58 da Carta:
"§ 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal (...)"
Lorenzoni está intimidando a testemunha de uma investigação com os poderes próprios de investigação judicial.
Isso pode render cadeia.
Por Reinaldo Azevedo
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