O presidente Jair Bolsonaro viajou a algumas cidades do interior de Goiás. Não foi inaugurar nada. O intuito da viagem, em pleno dia de trabalho, era conversar com correligionários, prestigiar o lançamento de uma entidade empresarial e participar de um culto evangélico de uma denominação chamada "Church in Connection". Os nomes estão ficando criativos. Mentiu como nunca e como sempre.
Dentro do templo, exceto quando falou, usou máscara. Do lado de fora e nas demais atividades, seguiu a sua rotina: provocou aglomerações sem a proteção.
Afirmou uma enormidade sobre as vacinas:
"E eu pergunto: a vacina tem comprovação científica ou está em estado experimental ainda? Está experimental. Nunca vi ninguém morrer por tomar hidoxicloroquina. Em especial na região amazônica, pra te curar se tem malária ou de lúpus. Por que não investir nisso? Porque é barato? Interessa viver em cima de mortes para ganhar mais recursos".
A fala é mentirosa e ilógica. Sim, já existe comprovação científica de que as vacinas funcionam. Além de serem aplicadas depois de superada a fase três, quando, então, se evidencia a sua efetividade em larga escala, há os resultados. Os EUA quase voltaram ao normal depois de ampla vacinação. A cidade de Serrana, em São Paulo, experimenta a queda drástica de contaminados e mortos.
Bolsonaro fez a sua carreira política não dando bola para a diferença entre a verdade e a mentira.
A cloroquina é eficaz no combate a pelo menos dois dos três protozoários que causam a malária. É remédio antigo. Um terceiro já se tornou resistente. Também está entre as drogas a que podem recorrer os médicos para minorar os efeitos do lúpus, doença autoimune. O que isso tem a ver com a covid-19?
A hidoxicloroquina e a covid-19 formam uma parceria mortal -- o que já foi constatado -- em dois casos:
1: quando a pessoa tem arritmia cardíaca e toma o remédio sem controle médico, e isso pode levar à morte -- além de ser inútil para combater a doença;
2: quando, por tomar o remédio -- seja preventivamente, seja aos primeiros sintomas da doença --, a pessoa deixa de tomar as devidas precauções ou de procurar o médico na certeza de que está protegido.
É espantoso que se esteja ainda a debater essa questão no Brasil. E mais espantoso que seja o presidente da República a igualar, na condição de supostas drogas sem comprovação científica, o imunizante e a hidroxicloroquina. Contra tudo o que diz a ciência.
Quem seguir as palavras de Bolsonaro pode estar marcando um encontro com a morte.
URNAS ELETRÔNICAS
O presidente percebeu a fragilidade do sistema para punir um presidente criminoso, em especial quando a Procuradoria-Geral da República se queda inerme.
No mesmo culto, afirmou sobre as eleições de 2018:
"Eu fui eleito no primeiro turno. Eu tenho provas materiais disso. Mas o sistema, a fraude, que existiu, sim, me jogou para o segundo turno. Outras coisas aconteceram, e eu só acabei ganhando porque tive muito voto".
Mente também nesse caso. Ele não tem prova nenhuma. Ou, então, que a apresente. Aliás, a Procuradoria-Geral da República, por intermédio do seu braço eleitoral, deveria cobrar do presidente as evidências. Mas não vai fazê-lo. Se não viu nada a ser apurado nem no chamado "inquérito dos atos antidemocráticos", por que se importaria com o fato de o chefe da nação afirmar que tem em mãos as provas de uma fraude eleitoral?
Eis Bolsonaro no melhor da sua forma, que é sempre o pior.
Fez essa pantomima no dia seguinte ao depoimento de Marcelo Queiroga, seu ministro da Saúde, à CPI. O doutor, claro!, se disse contrário a aglomerações e reconheceu que a hidroxicloroquina é inócua no combate à covid-19.
Mas continua no cargo porque diz não ser censor do presidente da República.
Temos um ministro da Saúde que confunde ciência com censura.
O único que discursa sobre cadáveres no país é Bolsonaro.
Por Reinaldo Azevedo
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