O PT recorreu ao Supremo, no âmbito da ADPF 756, cujo relator é o ministro Ricardo Lewandowski, com um pedido de liminar para que se suspendam imediatamente as tratativas para que o Brasil seja sede da Copa América. O nome técnico do instrumento é "Tutela Provisória de Urgência em Caráter Incidental". Essa ADPF é aquela impetrada pelo partido, junto com PCdoB e outros, que pediu que o governo fosse obrigado a apresentar um plano nacional de vacinação contra a Covid-19.
Será que o pedido é cabível?
Vamos ver. A primeira tentação seria dizer que não. Afinal, a Conmebol e a CBF são entidades privadas. Ainda que os estádios em que se realizaria a disputa sejam, em regra, públicos — alguns sob gestão privada —, estes poderiam ser alugados pelos promotores do evento.
Assim, a realização da competição teria de se adequar às normas vigentes nos Estados e municípios e pronto. Bem, assim seria se assim fosse. Mas não é. O governo federal resolveu se meter no caso. Alejandro Domínguez, o principal dirigente da entidade, negociou diretamente com Jair Bolsonaro, que acionou seus ministros.
Se faltasse evidência de que o Planalto comada a estupidez, há a entrevista concedida pelo general Luiz Eduardo Ramos, chefe da Casa Civil, que veio a público para assegurar, por exemplo, que, caso se realize o evento no país, será sem público, discorrendo, inclusive, sobre quais seriam as regras de vacinação.
Bem, cessa o que a antiga musa canta. Então estamos, sim, diante de uma decisão que passa pelo governo federal — até porque é preciso mobilizar de Estado, em várias esferas, para garantir a segurança da competição e dos competidores. Ponto final. E, agora, somos devolvidos à Constituição.
Dispõe o Artigo 6º da Constituição:
"Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição."
Isso lhe pareceu genérico demais?
Pois não. Então vamos ao que é bem específico. Reza o Artigo 196:
"Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".
A Constituição impõe ao governo que execute políticas sociais e econômicas que visem "à redução do risco de doença". E, como é unânime entre especialistas respeitados — há vagabundos por aí que falam pelas lentes da ideologia, não da ciência —, a realização da Copa América no país aumentaria esse risco, em vez de reduzir.
Não se trata mais de um negócio entre privados, que poderia ser executado com a eventual adequação às normas dos Estados e das cidades. Nesse caso, os sensatos teriam de recorrer à Justiça comum com, por exemplo, ações populares para tentar impedir a realização dos jogos.
Mas Jair Bolsonaro e seus ministros transformaram, sim, a questão num caso de cumprimento ou descumprimento da Constituição.
Que o ministro Ricardo Lewandowski, de imediato, conceda uma liminar suspendendo a farra e que o Supremo faça a coisa certa. A realização da Copa América no país é só um capítulo do negacionismo, que já matou 463 mil pessoas.
Pior: busca-se trazer a competição para cá num momento em que a curva de contaminação e de mortes voltou a subir, com uma taxa de imunização — a aplicação das duas doses — inferior a 11%.
Um abuso, um acinte e um agressão a direitos fundamentais dos brasileiros.
Liminar neles, ministro Lewandowski!
Por Reinaldo Azevedo
Nenhum comentário:
Postar um comentário