O Planalto manda dizer que o deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR) permanece na liderança do governo na Câmara. Ora, ora, quem está surpreso? Afinal, é Barros quem garante o emprego de Bolsonaro, não o contrário. A notícia, dada por sua essência, deveria ser assim: "Barros manda dizer que Bolsonaro permanece na Presidência da República".
Não entendeu?
Se o Centrão se juntar à oposição em favor do impeachment do presidente, ficariam faltando poucos votos para mandar Bolsonaro para o arquivo da política, hipótese em que ele daria início a uma longa carreira no direito penal. E, claro, seria necessário ter uma decisão monocrática inicial de Arthur Lira (AL), também do Progressistas. Na condição de presidente da Câmara, a ele cabe o ato inicial para que o impeachment prospere. Não o fará. A menos que... Bem, aí as coisas ficam por conta do desenrolar dos fatos.
Uma coisa é certa: Bolsonaro não vai defenestrar Barros porque precisa de apoio mais do que nunca. E olhem que o deputado tem um jeito, digamos, muito frio e muito técnico de se defender. Fala como um criminalista, não como alguém que, segundo o deputado Luís Miranda (DEM-DF), foi acusado pelo próprio presidente da República de estar por trás do rolo da Covaxin. Ele afirma:
"Fica evidente que não há dados concretos ou mesmo acusações objetivas, inclusive pelas entrevistas dadas no fim da semana pelos próprios irmãos Miranda".
Pois é. Mais um pouco, e Barros poderia dizer algo assim:
"Olhem, por enquanto ao menos, prefiro acreditar na minha inocência. Vamos aguardar os desenrolar dos fatos".
Ele pode ser acusado de qualquer coisa, menos de amadorismo.
BREVE MEMÓRIA
Só para relembrar: a Covaxin é a vacina indiana do polêmico, para dizer pouco, laboratório Bharat Biotech. O governo acertou a compra de 20 milhões de doses a US$ 15. No Brasil, uma empresa serve de intermediária: a Precisa, que é investigada num outro rolo envolvendo o Distrito Federal. Tem como sócia a Global, também sob investigação, aí em suposta associação com... Barros.
Se há intermediária para comprar, há intermediária para vender. A primeira fatura que chegou às mãos de Luís Ricardo Miranda, do departamento de importações do Ministério da Saúde — o irmão do deputado Luís Miranda — trazia a previsão de um pagamento antecipado de US$ 45 milhões à Madison Biotech, de que o dono da Bharat é sócio.
Ocorre que essa antecipação não estava em contrato, e a Madison nem fica na Índia, mas em Singapura, um paraíso fiscal. The Intercept Brasil bateu às portas da Madison. Leiam a reportagem e assistam ao vídeo. Trata-se de um mero escritório que empresta seu endereço a empresas que têm todo o jeitão de fantasmas — pouco importando, reitero, se, no papel, a Madison pertence ao dono da Bharat Biotech.
A pessoa que atendeu a reportagem deu um telefone do responsável pela Madison. O site enviou seis perguntas a uma suposta assessoria, que ficou de respondê-las. Até agora, nada. Entre elas, há estas indagações:
"Por que a Madison enviou uma nota fiscal pedindo pagamento adiantado para o governo brasileiro? O que justifica um pagamento adiantado nesse negócio? E por que o pagamento não foi direcionado para a Bharat Biotech na Índia?"
OUTROS BILHÕES
Em entrevista à Folha, Luís Miranda sugere que pode haver -- ou que ele pode reunir -- evidências de que a compra da Covaxin, ainda não concluída, mas em curso, seria apenas uma das frentes de malfeitos no Ministério da Saúde. Pois é...
Que as coisas não andaram e não andam bem por lá, isso é evidente. O governo deu início a negociações para comprar uma vacina ainda mais cara do que a Covaxin — que custará, caso se conclua a operação, US$ 15 a dose. Desta feita, sairia por US$ 17 e seria fornecida pelo laboratório chinês CanSino Biologics. O nome do imunizante é "Convidecia".
O país encomendou 60 milhões de doses — hoje, mais de R$ 5 bilhões. Entre os entusiastas da operação, estão os empresários bolsonaristas Luciano Hang e Carlos Wizard, dois especialistas na área, não é mesmo? Chega a ser impressionante que a gente tenha de escrever essas coisas.
Também nesse caso, haveria uma intermediária. Quem se apresentou como representante do laboratório CanSino no Brasil foi a Belcher Farmacêutica, empresa que tem sede em Maringá, terra e território do deputado... Ricardo Barros.
O governo assinou a intenção de compra no dia 4 deste mês. Agora, o Ministério da Saúde já informa que o próprio CanSino informou que a Belcher não mais o representa.
SÓCIOS
Que fique claro: se Bolsonaro depende do Centrão para permanecer no poder, isso não se deve a seus méritos, mas a seus defeitos. Por isso, não lhe cabe as vestes de quem é refém de um suposto esquema. O que quer que exista lá no Ministério da Saúde decorre de sua sociedade com aqueles com quem decidiu governar.
Por Reinaldo Azevedo
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