Ricardo Salles e Alexandre de Moraes: ex-titular do Meio Ambiente ainda apostava que tudo daria em nada. Aí viu que as coisas não eram como pensava Imagem: Adriano Machado/Reuters; STF |
Não!
A demissão de Ricardo Salles, agora ex-ministro do Meio Ambiente, não estava nos planos de ninguém: nem no dele próprio nem no de Jair Bolsonaro. Sim, a qualquer um, em tempos normais, a situação do rapaz no governo pareceria insustentável. Como é possível continuar a frente de um ministério, do Meio Ambiente ou qualquer outro, sendo investigado em dois inquéritos? Em ambos, as suspeitas são de extrema gravidade.
Mas estes não são tempos normais, e Salles queria ficar. E Bolsonaro queria que ele ficasse. Mas aí veio a informação de que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, autorizou que seu celular fosse enviado aos EUA para a quebra da senha. Aí não dava mais. Para quem sempre chamou o Supremo de "foro privilegiado" — eu nunca! — eis aí: Salles se demite para ser investigado pela primeira instância. Esse recurso jurídico tem nome. Chama-se "Fugindo de Alexandre".
Salles queria ficar e não estava nem aí. Na terça, foi elogiado por Bolsonaro no lançamento do Plano Safra. O chefe da nação sugeriu que o auxiliar estava sendo perseguido pelo Judiciário. No dia 12 de junho, já com todos os seus sigilos quebrados e com quase toda a cúpula do Meio Ambiente também investigada e afastada dos cargos, o ainda ministro subiu no palanque da "motociata" golpista em São Paulo.
Estão acostumados a afrontar as instituições com provocações e grosserias. Com o Supremo permanentemente sob ataque, com Bolsonaro vituperando contra o tribunal, com as redes sociais sempre em pé de guerra contra os membros da Corte, é possível que todos tenham apostado que Moraes buscaria acomodação. Bem, nem ele nem Cármen Lúcia, relatora do segundo inquérito, parecem ter escolhido esse caminho.
Um certo pensamento mágico e a crença meio ingênua de que, no fim, Bolsonaro sempre dobra todo mundo iam mantendo Salles no cargo, ainda que o presidente tenha sido vivamente aconselhado, por gente que lhe é próxima, a se livrar do fusível queimado. Mas o homem é turrão. De resto, nunca existiu exatamente um Salles: ele era o presidente no Meio Ambiente. E talvez até com alguma sobra e espaço para as suas próprias diabruras. Se havia um ministro cuja atuação o chefe endossava sem reservas, ele atendia pelo nome de Salles.
Ocorre que a esperada acomodação não veio. Na verdade, Salles assistiu à abertura de um novo inquérito. O envio do telefone aos EUA para a quebra da senha acendeu a luz vermelha. Salles chegou à conclusão que era hora de sair. Aposta-se na maior morosidade da primeira instância, que também comporta mais recursos. No STF, o caminho para uma eventual condenação havia se tornado muito curto.
PRONUNCIAMENTO
Salles fez um curioso pronunciamento, sem licença para o jornalismo fazer perguntas. Afirmou:
"Entendo que o Brasil, ao longo deste ano e no ano que vem, na inserção internacional e também na agenda nacional, precisa ter uma união muito forte de interesses, de anseios e de esforços. E, para que isso se faça da maneira mais serena possível, eu apresentei ao senhor presidente o meu pedido de exoneração, que foi atendido".
Estou enganado, ou ele está admitindo não ser a pessoa certa para "a união de interesses, anseios e esforços"? Talvez seja a única vez em que concordo plenamente com ele. Fez outra afirmação curiosa, exaltando a suposta eficiência da pasta e sua orientação:
"Orientação esta que foi o equilíbrio entre desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente, cuidado com todos os aspectos daquele ministério. Ao mesmo tempo, respeito também ao setor privado, ao agronegócio, ao produtor rural brasileiro, aos empresários de todos os setores, de mineração, imobiliário, setor industrial".
Como se nota, não falou quase nada sobre Meio Ambiente. Isso de que trata o torna um bom interlocutor dos negócios.
Muda alguma coisa no Meio Ambiente? A ver. Insista-se: não estava na pasta levando adiante uma agenda sua. Se a orientação for a mesma, vão se colher os mesmos resultados.
Por Reinaldo Azevedo
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